UPP impulsiona 'samba de classe média' e restringe bailes funk. Bloco da Zona Sul organiza evento em favela; funk só tem permissão em uma das comunidades. O ESTADO DE SÃO PAULO - 22 de dezembro de 2010 | 10h 21
A cada primeiro sábado do mês, a quadra da escola de samba do morro Santa Marta, em Botafogo, tem sido lotada por um público novo - a maioria de cariocas que nunca estiveram na favela. O motivo é o evento "Morro de Alegria", promovido desde setembro por um bloco de carnaval da Zona Sul, o Spanta Neném.
De acordo com os organizadores, a última edição do evento teve os ingressos esgotados horas antes do início e atraiu cerca de mil pessoas.
Para Diogo Castelão, um dos dez integrantes do Spanta Neném, o sucesso de público na favela não seria possível sem a Unidade de Polícia Pacificadora (UPPs), implantada no morro Santa Marta há dois anos.
"Nosso objetivo é fazer a galera subir", diz Castelão. "Existe esse mistério que ronda as comunidades. As pessoas do Rio em geral não conhecem, mas têm vontade de conhecer. Agora as UPPs facilitaram esse movimento."
"Como é uma comunidade já pacificada, não fiquei com medo de vir", afirma a estudante Rafaela Amado, de 24 anos, moradora da Tijuca. "Minhas amigas já tinham vindo, falaram que é superlegal e me convenceram."
Rafaela comprou as entradas para o samba, que custa R$ 30, com antecedência. Para os moradores da comunidade, os organizadores fixaram um preço de R$ 10. Do lado de fora da quadra, havia duas rodas de samba para entreter os que não tivessem ingressos.
O morador Alan Barcelos, de 22 anos, que ficou do lado de fora, acompanhando o movimento, diz considerar o evento pouco democrático.
"Samba sempre vai ser bom, ainda mais para a gente que mora no morro e tem isso na veia. Mas isso é um evento para o pessoal da rua subir o morro", afirma. "Acho que deveria ter uma integração maior asfalto-favela, mas não tem como participar porque é caro para a gente."
Funk restrito
Mas, enquanto o samba do Spanta Neném atrai pessoas da classe média e média alta para a favela, o cientista político André Rodrigues avalia que os jovens das comunidades com UPPs perderam um espaço importante de sua sociabilidade com a suspensão dos bailes funk.
"O funk é uma marca cultural da favela, um aspecto forte da formação cultural do jovem", diz Rodrigues, pesquisador associado do Instituto de Estudos da Religião (Iser). "O jovem fica em uma zona de sombra das UPPs. Ele se mantém afastado das novas possibilidades de inserção na vida cotidiana."
De acordo com o capitão Robson Rodrigues, comandante de Polícia Pacificadora, os bailes geralmente são suspensos logo após a ocupação de favelas pelas UPPs, mas depois cabe à comunidade decidir se quer retomá-los e se organizar para adequá-los às regras formais.
"Primeiro, suspendemos o baile rapidamente até entender a sua dinâmica", diz o comandante. "Depois, a polícia não vai dizer que sim nem que não."
"Se eles se propuserem a organizar um evento, têm que se formalizar para isso. Não pode mais ser um baile mambembe com instalações precárias", acrescenta o capitão. "Queremos mudar o cenário de informalidade que era muito propício ao crime."
A Ladeira dos Tabajaras, entre Copacabana e Botafogo, foi a primeira comunidade com UPP a se organizar para se adequar às regras formais. Entre elas, diz Rodrigues, está a lei do silêncio e a exigência de informar o evento ao poder público para que o planejamento de segurança seja feito.
Desde agosto, um baile funk quinzenal voltou a acontecer na favela. De acordo com Reinaldo Reis, presidente da Associação de Moradores do Tabajaras, é importante que o evento volte a ocorrer nessas comunidades para evitar que jovens procurem outras festas, em locais ainda dominados pelo tráfico.
"Quando a gente consegue ter o baile na comunidade pacificada, isso ajuda a preservar a integridade dos nossos filhos e irmãos e traz a cultura para dentro da comunidade", diz Reis. "O baile funk é a raiz da comunidade. É claro que faz falta."
Jazz, turismo e feijoada
Nas favelas com UPPs, outros eventos também têm atraído turistas ou cariocas de outros bairros. No Chapéu Mangueira, no Leme, por exemplo, cerca de 400 pessoas têm frequentado a feijoada que a associação de moradores promove a cada primeiro domingo do mês. De acordo com o presidente da associação, Valdinei Medina, a maioria é de fora da comunidade.
Além da feijoada, passeios ecológicos são oferecidos na favela há cerca de cinco anos, mas Medina diz que a procura aumentou cerca de 60% após a chegada da UPP. A caminhada é seguida de um almoço caseiro na residência de moradores.
No Santa Marta, a Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Lazer lançou em agosto o programa Rio Top Tour, que formou monitores para guiar visitantes pela comunidade. No primeiro mês, o programa recebeu 4,5 mil turistas, de acordo com a secretaria.
Shows de jazz também levaram visitantes ao Santa Marta neste fim de ano. O projeto "Jazz nas 5 estações", realizado pela ONG Atitude Social em parceria com a Prefeitura do Rio, promoveu shows gratuitos de Jorge Mautner, Victor Biglione e outros músicos entre outubro e dezembro.
"Foi uma coisa fantástica", diz Pierre Avila, diretor-presidente da ONG Atitude Social. "Você via uma pessoa da favela assistindo a algo que nunca tinha visto, o jazz, sentado ao lado de outra que está acostumada a ver jazz na Lagoa e nunca tinha estado na favela." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
O Policiamento Comunitário ou de Proximidade é um tipo de policiamento ostensivo que emprega efetivos e estratégias de aproximação, ação de presença, permanência, envolvimento com as questões locais, comprometimento com o local de trabalho e relações com as comunidades, objetivando a garantia da lei, o exercício da função essencial à justiça e a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do do patrimônio. A Confiança Mútua é o elo entre cidadão e policial, entre a comunidade e a força policial, entre a população e o Estado.
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