O Policiamento Comunitário ou de Proximidade é um tipo de policiamento ostensivo que emprega efetivos e estratégias de aproximação, ação de presença, permanência, envolvimento com as questões locais, comprometimento com o local de trabalho e relações com as comunidades, objetivando a garantia da lei, o exercício da função essencial à justiça e a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do do patrimônio. A Confiança Mútua é o elo entre cidadão e policial, entre a comunidade e a força policial, entre a população e o Estado.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

RELAÇÃO DE CONFIANÇA COM A POPULAÇÃO

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - RELAÇÃO DE CONFIANÇA COM A POPULAÇÃO É O MAIS IMPORTANTE PILAR DA ESTRATÉGIA DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO. Só que esta relação não se firma apenas com as vontades política e policial, pois se as leis, a justiça e a execução penal não garantirem continuidade às ações policiais e punição para conter o crime e isolar os criminosos, a polícia fica desacreditada e a relação de confiança dada no início se perde.



REVISTA ÉPOCA 11/09/2016 - 16h57

Neil Jarman: “É preciso ter vontade política para reformar a polícia"

O especialista afirma que a instituição precisa dar o primeiro passo rumo ao diálogo para estabelecer uma relação de confiança com a população


TERESA PEROSA





Neil Jarman, do Instituto de Pesquisa em Conflito do Reino Unido (Foto: Divulgação)


Quando o sangrento conflito na Irlanda do Norte chegou a um fim oficial com o tratado de paz em 1998, ficou determinado que a polícia do país, contaminada pela cultura de combate nas ruas, passaria por uma reforma. O pesquisador britânico Neil Jarman foi um dos envolvidos diretamente nas novas políticas postas em prática. Ele é diretor do Instituto de Pesquisa em Conflito (ICR, em sua sigla em inglês) e também trabalha para a Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), no conselho que, dentre outras funções, orienta e monitora reformas policiais no continente. Nos últimos dois anos, a entidade desenvolveu um programa de treinamento direcionado às formas de policiamento de manifestações. Em entrevista a ÉPOCA, Jarman fala sobre a experiência da reforma da polícia irlandesa e explica por que o diálogo é essencial para que as relações entre polícia e a população de um país sejam positivas.

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ÉPOCA – O Reino Unido geralmente é citado como um exemplo para o resto mundo em termos de policiamento comunitário e relações entre a polícia e sociedade civil. Como esse modelo foi construído?
Jarman – O Reino Unido tem muitas forças policiais, são cerca de 43. Dependendo de onde elas estão, a abordagem é diferente. Por exemplo, na Irlanda do Norte, por causa do conflito (entre legalistas pró-Reino Unido e republicanos pró-unificação da Irlanda), a polícia estava profundamente envolvida e profundamente militarizada, uma vez que estava na linha de frente. Era uma polícia muito combativa e muito diferente das outras forças policiais britânicas. O processo de paz de 1998 incluiu um grande programa de reforma que foi posto em prática a partir de 2001. Até então, muitas das manifestações terminavam em confronto, havia violência e tumulto. As pessoas usavam desde pedras até coquetéis molotov e a polícia usava munição plástica em resposta. Se pensarmos nos 15 anos desde que o processo de reforma se iniciou, o uso de força da polícia foi limitado e a abordagem que ela tem adotado quando lida com multidões e manifestações é vista como a forma mais avançada de policiamento, mesmo dentro do Reino Unido. Temos um uso de força muito limitado. Nenhuma polícia no Reino Unido usa gás lacrimogêneo. Na Irlanda do Norte, usam canhões de água e algumas formas de munição plástica, mas um tipo refinado de munição que é ainda menos impactante do que a maioria delas. E esses recursos são usados de forma relativamente rara. A polícia muito raramente buscaria de maneira ativa dispersar uma manifestação desde que ela se mantenha pacífica. Mesmo que seja incômoda e até tumultuosa, a polícia tende a adotar a abordagem de que a melhor forma de dispersão é dar tempo para que ocorra naturalmente, que as pessoas dispersem sozinhas. Hoje se entende que qualquer forma de intervenção física frequentemente levará a uma escalada (de violência) e em geral terminar com as pessoas revidando ou em vandalismo. Isso foi feito durante um período razoável de anos, então as pessoas sabem o que esperar da polícia - e a polícia, em geral, sabe o que esperar dos manifestantes. Isso não significa que violência não ocorra, mas a polícia tende a adotar uma abordagem mais defensiva para essa violência, em vez de um contra-ataque agressivo.

ÉPOCA – A justificativa para a ação da polícia é que indivíduos ou grupos da manifestação começam com atos de violência e vandalismo. Como é possível combater e evitar esses atos de violência sem punir a grande maioria dos manifestantes que, em geral, é pacífica?
Jarman – Essa é a questão chave e é um desafio. Frequentemente é levantada a questão de quem teria começado a violência. Algumas vezes são pessoas que estão na multidão, algumas vezes é a polícia que decide dispersar um ato e então as pessoas reagem à polícia. A polícia precisa ter o cuidado de não provocar. Infelizmente, houve muitas vezes em que a polícia decidiu que reganharia o controle das ruas e isso leva a uma escalada de violência. Esse é um dos problemas que existem com elementos como o gás lacrimogêneo, que atinge a todos, mesmo aqueles que não são parte da manifestação. Na Irlanda do Norte, as duas principais formas de uso da força que eles têm são alguns tipos de munição plástica, particularmente precisas, e canhões d'água, como uma arma menos letal. O que eles não costumam fazer é se tornar mais agressivos e tentar agarrar e prender pessoas. Eles usam ferramentas de vigilância para identificar pessoas e tendem a não interferir em atos de vandalismo, por exemplo. Recolhem evidências posteriormente (para investigação). A polícia tende a manter uma distância da multidão e tem equipamento de proteção para caso as pessoas comecem a jogar pedras. Adota uma posição defensiva e permite que as pessoas eventualmente cometam atos vistos como ataque, mas dá tempo para que manifestantes que estejam presentes - e se oponham a atos de violência - tentem acalmar as coisas também.

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ÉPOCA – Como esse diálogo é feito?
Jarman – O que a polícia tenta fazer é se reunir com os organizadores antes. Nós desenvolvemos uma política que se chama "sem surpresas" e isso significa basicamente que a polícia vai dizer os organizadores, em linhas gerais, qual será sua abordagem e tática a ser adotada. A conversa é: “vocês poderão se manifestar aqui, e contanto que vocês se mantenham pacíficos, isso é o que nós faremos. Caso se torne violento, essa é a resposta que usaremos, mas pode-se esperar um esforço muito grande para tentar acalmar a situação.” Em alguns casos, os organizadores e a polícia terão os celulares uns dos outros, para que possam manter o contato de maneira regular. E, caso algo aconteça, temos uma instância independente de prestação de contas formada por departamentos de polícia e pela sociedade civil que monitora o policiamento. Em casos de manifestações, esse órgão tem um consultor de direitos humanos que irá e observará o que a polícia está fazendo do centro de comando. Os três pilares do processo de reforma da polícia na Irlanda do Norte que são chave para uma boa prática policial são (o desenvolvimento) de uma abordagem baseada em direitos humanos, a prestação de contas da polícia ao público e o trabalho junto à comunidade. Há padrões muito altos de direitos humanos que a polícia deve cumprir. Toda vez que a polícia faz uso de qualquer tipo de força, seja munição plástica, canhão de água ou cassetete, é automaticamente aberta uma averiguação para investigar se o uso foi justificado ou não. E isso ajuda a manter um nível de credibilidade entre polícia e a população.

ÉPOCA – Como é possível começar a construir esse tipo de relação em um ambiente de hostilidade mútua?
Jarman – De partida, é preciso mudar a polícia. Eles são a parte com poder nessa situação. É preciso ter vontade política para reformar a polícia e esse processo precisa estar baseado em direitos humanos, prestação de contas e trabalho com a comunidade. É preciso começar o processo de alguma maneira. Não muda do dia para a noite. É preciso evidenciar que a polícia está adotando um posicionamento diferente. Começa-se a investir em diálogo, reduzir seu uso de força e explicar que é isso que se está fazendo. Explicar que você reconhece que essas pessoas tem o direito a se manifestar e, desde que suas manifestações se mantenham pacíficas, você permitirá que elas sigam; que em determinadas situações, exercerá seu direito de uso da força, mas que buscará reduzir esse uso; que permitirá que os manifestantes protestem, mesmo que essas manifestações sejam impopulares entre alguns setores da comunidade política. É frequente a situação em que a polícia é vista como alinhada a um determinado setor da estrutura política. Aqui foi muito importante que a polícia fosse vista como equilibrada e não alinhada com um grupo político ou outro. Agora, a polícia frequentemente dirá que se os dois lados estiverem reclamando sobre a maneira como lidamos com uma situação, então ela está fazendo o correto. A polícia pode tomar iniciativa e pode decidir mudar. É preciso iniciar um amplo debate público e o desafio para a polícia muitas vezes é reconhecer que suas ações serviram para escalar a situação.

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ÉPOCA – Em 2011, Londres sofreu com uma série protestos violentos. A polícia foi criticada por setores políticos, que consideraram a ação muito branda na ocasião. O ex-prefeito e atual ministro das Relações Exteriores, Boris Johnson, comprou três caminhões de canhões de água, mas seu uso não foi autorizado. O novo prefeito, Sadiq Khan, vai vender o equipamento. Qual é sua leitura de sua situação?
Jarman – A situação em Londres em 2011 foi particular, porque muito da violência não estava associada a manifestações políticas, mas foi alimentada por sentimentos de marginalização, alienação e de desavença com a polícia, talvez algo parecido com o que vemos em favelas no Brasil. O gatilho para os riots na ocasião foi a morte de um jovem negro pela polícia. Houve uma manifestação feita pela família à frente de uma delegacia e a polícia se recusou a engajar em qualquer forma de diálogo: a polícia falhou ao não sair e conversar com as pessoas. Depois de muitas horas, algumas pessoas ficaram raiva e começaram a cometer atos de vandalismo, destruir carros de polícia e outros veículos. Se a polícia de partida tivesse sido mais eficaz em conversar com pessoas, em engajar em um diálogo com a população, sobre o que tinha acontecido, isso teria impedido que toda a confusão acontecesse. Diálogo não custa nada. Muitas pessoas pensam que diálogo é um problema, que existem pessoas com as quais não se deve conversar. Mas a disposição em falar com as pessoas é frequentemente a coisa mais fundamental que precisa existir. Se a polícia ouvir o que as pessoas acham problemático em sua ação em manifestações, ela pode começar a pensar em como chegar a um acordo. No processo de reforma da polícia da Irlanda do Norte houve um número muito grande de consultas públicas, muitas oportunidades para a população dizer como se sentia em relação à polícia e como achava que ela poderia mudar. E também ouvimos da polícia o que ela achava de toda a situação. Para as pessoas respeitarem a polícia, a polícia precisa respeitar a população. E porque ela está numa posição de poder nessa situação, é a polícia que tem que dar o primeiro passo.

ÉPOCA – Qual deve ser a conduta geral de uma polícia quando lida com protestos?
Jarman – A polícia precisa ser bem treinada e bem disciplinada, mas também precisa estar bem equipada e protegida para se comportar da maneira apropriada. A questão é que nessas situações você tem dois grupos de homens jovens frente a frente, um deles são os manifestantes, o outro são os policiais. A maioria dos policiais na linha de frente são homens entre 20 e 40 anos, o mesmo grupo demográfico de quem está nas manifestações. Há muita testoterona circulando. Não é uma questão de confronto, de quem tem a maior arma, você precisa reconhecer que a polícia não é tão diferente dos manifestantes. Os policiais precisam de bons líderes, bom treinamento, conhecimento de como operar e como entender esses tipos de situação e ter equipamento que os permita sentir protegidos e seguros enquanto fazem seu trabalho, que é muito difícil. Mais do que armas maiores, nós precisamos lhes dar conhecimento, um melhor entendimento de direitos humanos, da miríade de opções de como eles podem se comportar durante essa situação. Uma das melhores formas que uma força policial pode aprender mais é conversar com outras organizações policiais que executam as coisas de maneira diferente. A polícia frequentemente não gosta de ouvir o que acadêmicos, ONGs, ou jornalistas têm a dizer, mas eles tendem a ouvir outros policiais que estiveram em situações similares e podem dizer: existe outra maneira de fazer isso, funciona e é mais eficaz. Parte do processo de reforma da polícia na Irlanda do Norte foi juntar policiais irlandeses a policiais da África do Sul e da Bélgica, que estavam passando por grandes processos de reestruturação e que tinham problemas na forma como lidavam com multidões e protestos. Nós conseguimos construir um diálogo entre diferentes organizações policiais para que elas pudessem aprender umas com as outras e compartilhar experiências e problemas.

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ÉPOCA – Qual é o primeiro passo para mudar o procedimento e cultura de uma corporação policial?
Jarman – Para qualquer coisa acontecer é preciso vontade política. Se você tem uma situação em que a autoridade política continuamente apoia a polícia, então não há mudança. Não se diminui uma situação de violência usando força. Talvez se consiga uma resposta de curto prazo positiva, mas você só sustenta e aumenta a hostilidade entre as duas partes, o que vai aparecer na próxima vez que algo acontecer. É possível que a estrutura política dê início ao processo, mas não se envolva diretamente. Isso significa ter dinheiro para investir na polícia, porque haverá custos de treinamento e equipamento, mas também envolverá processos de diálogo. E não adianta ter diálogo se as pessoas que estiverem envolvidas nos protestos e que podem estar envolvidas em tumultos não forem incluídas. As pessoas hoje presentes nos órgãos de prestação de contas da polícia são pessoas que no passado seriam membros do Exército Republicano Irlandês (IRA, em sua sigla em inglês), que estariam brigando e matando a polícia. É preciso um processo de diálogo inclusivo.

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