A lei da UPP nas favelas do Rio - Vinicius Carvalho da Silva, O GLOBO, 23/12/2010 às 19h49m; Artigo do leitor.
Naquele tempo em que o jovem imperador ainda passava em Petrópolis boa parte de seu tempo, o problema do Alemão já era complexo: enquanto os negros de África eram seqüestrados no outro continente, outros mil povos faziam-se colonos na república das bananas,ou do café e da cana de açúcar, como preferir.
Com segurança e educação essas comunidades estarão realmente transformadas em 2035
Alguns colonos eram pagos, ganhavam terras, outros, aos montes, eram explorados. Muitos vieram e foram ludibriados, mandados para regiões remotas, onde só não comeram o pão amassado pelo diabo, porque o trigo não estava para a plebe. Mas "cem anos de solidão" depois, firmou-se a maioria, expandiram e prosperaram, e hoje, são membros da classe média brasileira. Já os reis e princesas africanas, cresceram e multiplicaram-se, como reza o testamento antigo, mas sua prole foi marginalizada, excluída de vida social digna.
O charmoso Rio antigo é também o protótipo do fenômeno favelístico, com seus cortiços, bairros pobres, seu trapiches e suas Gambôas com suas ladeiras. Os escravos libertos, apinhavam-se nos guetos. Nascia ali, o complexo problema, que haveria de desembocar, muitos carnavais depois, no Complexo do Alemão, enquanto duto e reduto da marginalidade. Marginais, tanto pela bandidagem, quanto por viver à margem da vida política. As favelas nunca foram vistas como cidade, ou como parte delas, mas como estados paralelos, "metapólis", fora da cidade, coisa alguma, terra sem lei, onde cada um é por si e Deus é por ninguém.
Do grego, "oiko nomos", de onde vem economia, significa administração do lar. As favelas nunca tiveram economia, mas autonomia. Com seus próprios tribunais e ritos, suas sentenças criminosas e seu sistema tributário de taxação por bens de serviços. Os traficantes ali imperavam, não como gestores, mas como capitães do mato, perpetuando no tempo o tráfico de escravos: traficantes escravos de um sistema perverso, moradores escravos do medo. Ciclo viciado e viciante.
Com o programa de governo das Unidades de Polícia Pacificadora, vimos o poder Executivo agir, pela primeira vez, em décadas. Óbvio que excessos devem ser apurados e rigorosamente coibidos e punidos, mas tal política, paulatinamente aprimorada pela experiência, deve avançar pelo Rio e pelo Brasil. Entretanto, até então, um medo me assolava: se apenas o Executivo fizer sua parte, sem forte empenho do Legislativo e Judiciário, serão logos anos de guerra e avanços aparentes. Todavia, como noticiou o jornal 'O Globo' , um grande e decisivo passo foi dado pelo legislativo: transformar o projeto UPP em lei.
O porteiro de meu prédio, morador de uma comunidade beneficiada com as UPPs, contou-me que de fato o tráfico acabou naquela localidade, mas bandidos desconhecidos da polícia permanecem infiltrados, como informantes da quadrilha, nutrindo a esperança de retomada do território após a realização dos grandes eventos dos próximos anos.
Com a nova lei, cada nova UPP não será 'para inglês ver'. As unidades deverão funcionar por no mínimo 25 anos e projetos sociais de educação e cultura serão obrigatórios. Com segurança e educação essas comunidades estarão realmente transformadas em 2035. Se a lei estabelecer-se e for executada, as próximas décadas não terão, para o poder executivo e para as comunidades beneficiadas, anos de solidão.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Como já venho afirmando a muito tempo. O policiamento comunitário (filosofia e estratégia da UPP) é sedimentado na confiança do cidadão e esta depende dos resultados para inibir e até extinguir o crime e criar um ambiente seguro, de tranquilidade e paz social. Só que estes resultados não dependem só dos policiais, da polícia ou dos programas sociais, educacionais e de saúde que são aplicados conjuntamente. É preciso que o bandido seja preso, processado, julgado, sentenciado a uma pena e cumprir esta pena com dignidade e oportunidades para se reabilitar perante a sociedade. É também necessário que o Estado se imponha coativamente para inibir a reincidência e evitar o crime, as contravenções e a violência. Portanto, as UPPs precisam de um judiciário mais aproximado da sociedade, dos delitos, das polícias, dos presídios e das questões de ordem pública. Só uma justiça coativa e comprometida com a paz social poderá garantir a eficácia da ação policial, a preservação da paz social e manutenção da confiança do cidadão no Estado.
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