Polícia de proximidade, por Marcos Rolim - Zero Hora 21/11/2010
O recurso mais importante para qualquer polícia do mundo é a informação. Uma polícia sem informações não sabe o que fazer e age como se estivesse em um túnel escuro. A mais ampla e importante fonte de informação para o trabalho policial é o povo. Mas a população só informa a polícia se confiar nela. Por isso, aumentar a confiança nas polícias é um desafio central, especialmente quando a imagem das instituições for ruim e estiver associada à ineficiência, à corrupção e à violência. O atendimento prestado à cidadania, a educação dos policiais e os êxitos alcançados pelas polícias ajudam muito, mas confiança exige proximidade dos policiais com as pessoas.
Nosso modelo de polícia está fundado em uma concepção reativa na qual os policiais patrulham aleatoriamente as cidades, dentro de viaturas, atendendo aos chamados de emergência do sistema 190. Os residentes não conhecem os policiais, que, por sua vez, tampouco conhecem os moradores. Na ausência de vínculos, o que temos é uma “polícia estranha” às comunidades e que aparece, como regra, apenas depois que um crime já foi cometido. A ideia de fixar policiais em pequenos distritos, para o patrulhamento fora de viaturas, normalmente a pé, em contato direto com as pessoas, é o começo de uma mudança essencial em direção ao modelo de polícia comunitária. Nos países de democracia consolidada, esta tem sido uma das mais fortes tendências no policiamento nos últimos 30 anos.
Com o policiamento de proximidade, os profissionais de segurança passam a conhecer os residentes por seus nomes, passam a entender as dinâmicas sociais da região, têm mais condições de auxiliar as pessoas em variados momentos de dificuldade (não apenas em ocorrências criminais) e podem construir laços de confiança que lhes permitirão receber as informações de que precisam. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro têm obtido êxitos porque realizam esta dinâmica. Quem tomar este exemplo como suficiente, entretanto, poderá se frustrar.
A cidade do RJ possui 1,5 mil favelas. Há UPPs em 12 delas. Se o governo conseguir instalar uma nova UPP por mês, em cem anos a cidade não estará coberta. Será preciso, então, reduzir rapidamente as áreas de exclusão social e promover cidadania. Mas o problema maior nem é esse. O problema é que nada nos garante que os policiais recrutados para as UPPs não estarão em breve associados ao crime. Para evitar este resultado, será preciso – além de salários dignos e exigências maiores de recrutamento e formação – a reforma do modelo de polícia, introduzindo o ciclo completo de policiamento e a divisão de responsabilidades entre as polícias por tipos criminais, assegurando uma única porta de entrada em cada polícia e, por decorrência, a possibilidade de uma verdadeira carreira policial etc., o que exige a alteração do art. 144 da Constituição Federal e disposição para mexer em um vespeiro de interesses corporativos e de disputas de poder.
Bem, podemos não fazer isso, por conveniência política ou falta de discernimento. Nesta hipótese, o pesadelo das milícias e da degradação completa da atividade policial surgirá cada vez mais forte no horizonte.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA
Parabéns pelo artigo, Rolim. Realmente, o recurso mais importante para qualquer polícia do mundo é a informação e esta só se consegue aproximando o agente policial do cidadão para aprofundar relações de confiança e de satisfação mútua - serviço de resultados e valorização. Está correta a tua conclusão sobre "salários dignos", "exigências maiores de recrutamento e formação", a necessidade de "reforma do modelo de polícia, introduzindo o ciclo completo de policiamento" e alteração do art. 144 da Constituição Federal". Também considero acertado o teu ponto de vista sobre as UPPs, não pode esquecer que, além dos fatores sociais, há de se promover uma profunda reforma estrutural e de postura do poder judiciário brasileiro para dar continuidade aos esforços da polícia e da sociedade. O Poder Judiciário está contaminado por várias mazelas que a impedem de cumprir a sua função precípua da aplicação coativa da lei. Se a lei não é aplicada, é como se não existisse lei e nem justiça. Neste ambiente de desordem e insegurança jurídica, a bandidagem dos dois lados rola solta e impune, fazendo das UPPs e outras iniciativas ilhas da fantasia e trabalho de Sísifo.
Quanto às polícias, estas deveriam sim trabalhar no ciclo completo policial (investigativo, pericial e ostensivo) com a PF está se estruturando. Alguns "especialistas" esquecem a perícia criminal faz parte do ciclo. Além disto, defendo as PMs como Polícia Estadual, a Polícia Civil como Polícia do Judiciário (ou do MP), a transformação da PRF em Polícia Nacional de Fronteiras (o policiamento das rodovias ficam as polícias estaduais em respeito ao princípio federativo da territorialidade), a tranformação das Guardas em Polícias Municipais, a transformação das Receitas Federal e Estaduais em Polícias Fiscais e a criação das Polícias Penitenciárias. Como todas estas polícias são auxiliares da justiça, o sistema de ordem pública deveria envolver varas especializadas de justiça e promotorias especiais, além do MP adentrar nas corregedorias destas polícias para supervisão e controle externo.
Referente à constituição federal, sou um crítico perseverante da inoperância, corporativismo, benevolencias e dispositivos esdrúxulos, repetitivos e plenos de privilégios desta dita "lei cidadã". A constituição centraliza tudo na União e no STF, desmoralizandop e enfraquecendo as Unidades Federativas e os Tribunais Regionais. O art. 144 é próprio de uma carta facista e totalitária, pois coloca nas forças armadas e nas forças policiais a defesa do Estado e das instituições, desprezando a defesa da paz social e dos direitos coletivos assegurados pelos instrumentos de justiça e de cidadania que devem complementar e limitar os instrumentos de força.
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