O Policiamento Comunitário ou de Proximidade é um tipo de policiamento ostensivo que emprega efetivos e estratégias de aproximação, ação de presença, permanência, envolvimento com as questões locais, comprometimento com o local de trabalho e relações com as comunidades, objetivando a garantia da lei, o exercício da função essencial à justiça e a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do do patrimônio. A Confiança Mútua é o elo entre cidadão e policial, entre a comunidade e a força policial, entre a população e o Estado.

sábado, 29 de setembro de 2012

JANELAS QUEBRADAS, TOLERÂNCIA ZERO E CRIMINALIDADE

JUS NAVEGANDI - Elaborado em 01/2003.


Daniel Sperb Rubin


Introdução

Enquanto os índices de criminalidade no Brasil atingem níveis intoleráveis, obrigando o cidadão de bem a trancar-se dentro de sua própria casa, e as autoridades responsáveis pela política de segurança pública em nosso país parecem simplesmente não saber que rumo tomar, nos Estados Unidos encontra-se em pleno andamento uma extraordinária experiência de redução de criminalidade.

Pela primeira vez depois de trinta anos de aumento contínuo, os índices de criminalidade nas grandes cidades dos EUA apresentam substancial redução [1]. A que se deve isso? Ouve-se falar na política criminal de tolerância zero. Sabe-se que foi aplicada em Nova Iorque, durante a gestão do Prefeito Rudolph Giuliani. Mas não se sabe exatamente quais seus fundamentos teóricos. Ouve-se falar, também, na broken windows theory (teoria das janelas quebradas), mas, igualmente, não se sabe qual a sua origem e o que, exatamente, significa.

Neste despretensioso estudo, procuraremos demostrar como os EUA, a partir da broken windows theory e da operação tolerância zero, conseguiram reduzir drasticamente os índices de criminalidade em algumas de suas grandes cidades, notadamente, em Nova Iorque. Analisaremos algumas críticas feitas à política criminal de tolerância zero, bem como os limites impostos pelo judiciário americano, ocasião em que se fará menção a algumas decisões que informam a jurisprudência americana acerca do assunto. Por fim, teceremos considerações sobre a situação brasileira no combate à criminalidade.

Broken Windows Theory – Origens e Fundamentos

Em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety ( A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a conseqüente queda da qualidade de vida.

Kelling e Wilson sustentavam que se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pelo manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro à mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime.

Em razão da imagem das janelas quebradas, o estudo ficou conhecido como broken windows, e veio a lançar os fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de "tolerência zero".

Ainda exemplificando, Kelling e Wilson afirmavam que uma comunidade estável, na qual as famílias cuidavam de suas casas, se preocupavam com as crianças dos outros e desconfiavam de estranhos, poderia transformar-se, em poucos anos, ou até mesmo meses, em uma selva assustadora. Uma propriedade é abandonada. O mato cresce. Uma janela é quebrada. Adultos deixam de repreender crianças e adolescentes desordeiros. Estas, encorajadas, tornam-se mais desordeiras. Então, famílias mudam-se daquela comunidade. Adultos, sem laços com a família, mudam-se para aquela comunidade. Adolescentes desordeiros começam a se reunir na frente da loja da esquina. O comerciante pede que se retirem. Eles recusam. Brigas ocorrem. O lixo se acumula. Pessoas começam a embriagar-se em frente aos bares. Um bêbado deita na calçada e lá permanece. A desordem se estabelece, preparando o terreno para a ascensão da criminalidade.

Em 1990, o Professor da Universidade Northwestern de Ciências Políticas, Wesley Skogan, publicou um estudo baseado em pesquisa na qual 13.000 pessoas residentes em áreas residenciais de Atlanta, Chicago, Houston, Filadelfia, Newark e São Francisco haviam sido entrevistadas. O estudo era entitulado Disorder and Decline: Crime and the Spiral of Decay in America Neighborhoods (Desordem e Declínio:O Crime e a Espiral de Decadência nas Comunidades Americanas) e confirmava os postulados da broken windows theory. Mas ia além disso, afirmando que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Esta conclusão é de fundamental importância, especialmente diante da afirmação, sempre repetida e jamais comprovada, de que a principal causa da criminalidade reside nas injustiças sociais, desemprego, pobreza, falta de oportunidades, etc. Mais adiante, quando analisarmos às objeções a broken windows theory e à tolerância zero, voltaremos ao assunto.

Em 1996, Kelling, em conjunto com Catherine Coles, lançou a obra definitiva sobre a teoria das janelas quebradas: Fixing Broken Windows – Restoring Order and Reducing Crimes in Our Communities (Consertando as Janelas Quebradas – Restaurando a Ordem e Reduzindo o Crime em Nossas Comunidades). Nesta obra, o autor iria além, e demonstraria a relação de causalidade entre a criminalidade violenta e a não repressão a pequenos delitos e contravenções. Assim como a desordem leva à criminalidade, a tolerância com pequenos delitos e contravenções, leva, inevitavelmente à criminalidade violenta.

No entanto, muito antes, em 1967, um relatório [2] preparado para uma comissão criada pelo então Presidente Lyndon Johnson para o estudo de estratégias de combate à criminalidade (Commission on Law Enforcement and Crime) já apontara, com base em pesquisas e entrevistas com cidadãos que o medo da criminalidade estava fortemente relacionado à existência de desordem nas comunidades. No entanto, esta relação foi ignorada até o início dos anos 80 e, registre-se, continua a ser contestada (e ainda ignorada em muitos países), não obstante as evidências que indicam o seu acerto.

Durante três décadas, a criminalidade só fez aumentar nos EUA. O modelo americano de combate à criminalidade falhara porque não reconhecia a relação de causa e efeito entre desordem, medo, criminalidade violenta e decadência urbana. Kelling e Coles demonstram como, ao longo do século XX, a polícia americana foi, aos poucos, abandonando suas tarefas na manutenção da ordem pública para dedicar-se, exclusivamente, ao combate ao crime. A raiz do aumento da violência nos EUA na segunda metade do século XX está, também, nesta mudança de estratégia da polícia. Originalmente, o papel da polícia americana era o de manter a paz e prevenir o crime. A prevenção do crime era feita com a presença constante da polícia no seio da comunidade. E aqui reside outro fundamento da broken windows theory. O policial deve fazer parte da comunidade, entranhar-se na comunidade, e lidar com as condições que criam o crime (desordens de todo o tipo, embriaguez pública, jogos ilegais, etc.). Assim, ele conhece a comunidade, e é conhecido por ela. Cria-se um vínculo entre a comunidade e a autoridade policial, e este vínculo, permite que ambos juntem forças para evitar o surgimento da desordem e de pequenos delitos que, mais tarde, levarão à criminalidade violenta. Assim, se algum traficante tenta imiscuir-se naquela comunidade, tanto a comunidade como a polícia podem imediatamente identificá-lo, e unindo forças, expulsá-lo de lá, ou mesmo prendê-lo se o mesmo for apanhado no exercício do tráfico. Mas para isso é preciso uma comunidade organizada, que preze a manutenção da ordem, e uma relação de confiança entre a comunidade e a polícia, de modo que ambos se auxiliem mutuamente.

O policiamento comunitário, portanto, é fundamental na prevenção do crime. A presença física do agente policial na comunidade inibe a desordem e a criminalidade. Neste sentido, Kelling e Coles são defensores do "foot patrol", ou seja, do patrulhamento a pé, da figura do agente policial que percorre a pé as ruas do bairro, muito mais eficaz, do ponto de vista da prevenção, do que dos agentes policiais motorizados, que nada mais fazem do que circularem de carro. Aos desordeiros basta, portanto, esperar que passe o carro da polícia, para continuar a desordem, o que torna-se muito mais difícil com o patrulhamento a pé.

Nos EUA criou-se a idéia de que a polícia não devia mais zelar pela ordem pública, mas investir todos os seus esforços apenas no combate ao crime. Assim, desordens e pequenos ilícitos foram deixados de lado, para que se combatesse apenas os crimes mais graves. Portanto, as pequenas janelas quebradas não mais eram reparadas, até que chegou-se a um ponto insustentável onde a criminalidade aumentou de tal forma nos centros urbanos, que muitos deram-se por conta do equívoco da estratégia adotada.

No Brasil, já chegamos a este ponto há muito tempo. A "estratégia das prioridades", adotada tanto pela Polícia como, pode-se dizer, por Juízes e Promotores, e que consiste em priorizar o combate à criminalidade violenta, sob argumentos diversos, que vão desde a falta de recursos até a desnecessidade de reprimir comportamentos que configuram não mais do que um mero ato de desordem ou uma pequena contravenção, passando pela alegação de o crime tem causas sociais, repete o equívoco cometido nos EUA e é uma das principais causas do aumento avassalador da criminalidade violenta em nosso país.

Sob esta estratégia, cria-se um círculo vicioso que retroalimenta a criminalidade violenta. Não se combate a desordem e os pequenos delitos porque deve-se priorizar o combate à criminalidade violenta. No entanto, a criminalidade violenta é justamente resultado da falta de combate à desordem e aos pequenos delitos. Esta lógica perversa precisa, em algum momento, ser quebrada.

Como diz Kelling, o Juiz pode achar difícil que apenas uma janela quebrada seja tão importante para permitir que a polícia exerça alguma autoridade sobre uma pessoa que possa quebrar mais janelas. Ocorre que o Juiz vê apenas um flash da rua num determinado momento, ao passo que o público, ao contrário, vê todo o filme se desenrolando a sua frente, que mostra a lenta e inexorável decadência da sua rua e de sua comunidade.

A Broken Windows Theory aponta um caminho para a redução da criminalidade, que já teve efeitos positivos nos EUA, como a seguir se verá, e que tem como base a repressão à desordem e aos pequenos delitos e, também, o policiamento comunitário. Não é mais possível ignorar esta extraordinária vitória contra o crime.

A Operação Tolerância Zero – A Retomada do Metrô e das Ruas para o Povo de Nova Iorque

Um dos principais temas de debate durante a campanha para as eleições à Prefeitura de Nova Iorque, em 1993, foi o que fazer contra os "esqueegeemen", pessoas, normalmente jovens e atuando em grupo, que mediante ameaças veladas, ou nem tanto, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem que tivessem sido solicitados a fazê-lo. Tanto David Dinkins (então Prefeito) como Rudolph Giuliani (um ex-Promotor Federal que viria a ser eleito) prometiam um combate incessante contra a atuação destes grupos, simplesmente porque esta era uma das principais reclamações dos nova-iorquinos que viam na atuação daquelas pessoas a ausência de ordem e autoridade, bem como uma ameaça constante, que levava ao medo e à decadência da qualidade da vida urbana. Esta situação bem demonstra o ponto de insuportabilidade a que o cidadão comum daquela metrópole chegou, quando passou a exigir das autoridades providências enérgicas no sentido de restabelecer-se a qualidade de vida, já então em plena decadência.

Na verdade a decadência urbana de Nova Iorque desenvolvera-se de maneira lenta e constante ao longo dos anos 70 e 80, diante da tolerância com a desordem e os pequenos ilícitos. As pichações não eram reprimidas. As gangues se proliferavam. Permitia-se que os sem-teto ocupassem espaços públicos, como metrôs, parques e praças, e lá fizessem suas necessidades. Não se os obrigava a recolherem-se aos abrigos públicos. Além disso, eles passavam a mendigar de maneira cada vez mais agressiva e ameaçadora. Pequenos delitos como ingressar no metrô sem o pagamento da passagem, pulando a catraca, quase não eram mais reprimidos. Tudo isso levava a um aumento constante da criminalidade.

Esta situação era mais grave ainda no sistema de transporte subterrâneo de Nova Iorque, o metrô, em razão das peculiaridades de se tratar de um local fechado, deserto à noite, mas utilizado por grande parte dos habitantes como único meio de transporte viável (aproximadamente três milhões de pessoas utilizam o metrô de Nova Iorque num único dia). O metrô tornara-se um grande problema.

Em abril de 1990, William Bratton, um policial que fizera carreira rápida e brilhante na polícia de Boston, tendo se destacado principalmente por sua atuação frente à polícia de trânsito daquela cidade, foi contratado pela Polícia de Trânsito de Nova Iorque, para "resolver o problema do metrô". Antes, George Kelling já havia sido contratado e, com a chegada de Bratton, passou a "alimentá-lo" com idéias e material de leitura.

Bratton imediatamente identificou os três principais problemas do metrô: passageiros que pulavam a catraca e não pagavam a passagem, desordem e crime.

O não pagamento da passagem havia se tornado epidêmico. O prejuízo da municipalidade girava em torno de oitenta milhões de dólares por ano. Os desordeiros simplesmente pulavam as catracas. Aqueles que pagavam sentiam que estavam entrando em um local onde não havia lei e a desordem imperava e começavam a se perguntar se valia a pena continuar respeitando a lei.

A desordem só fazia crescer. Pichações, mendicância agressiva e vandalismo criavam um clima propício à criminalidade.

A criminalidade no metrô aumentava e tornava-se mais violenta, com a proliferação de gangues juvenis, cada vez mais usando armas de fogo e simplesmente assaltando as pessoas.

Bratton teve imensas dificuldades no sentido de mostrar aos policiais sob o seu comando a necessidade de combater-se a desordem e o não pagamento das passagens. Afinal de contas, como policiais, e em consonância com a política de segurança pública até então adotada, eles achavam que o seu trabalho era combater o crime e não a desordem ou o não pagamento de passagens. Vencida esta barreira, ele começou a aplicar a broken windows theory ao problema do metrô.

No seu entendimento, o não pagamento da tarifa era a principal janela quebrada no sistema subterrâneo de trânsito. Até então, a Polícia de Trânsito não prendia em grande número aqueles que pulavam as catracas. Isto era considerado um delito menor. Apenas uma ou duas vezes por ano, eram feitas prisões em massa e os detidos eram levados ao Yankee Stadium, numa espécie de demonstração pública. Isto, obviamente, em nada alterava a situação. Bratton começou a aplicar uma estratégia de fazer pequenas prisões em massa, de estação em estação. Como não havia efetivo suficiente para efetuar as prisões em todas as estações, a Polícia de Trânsito de Nova Iorque alternava dias e horários. Em algumas estações, era como se não houvesse catracas. A imensa maioria das pessoas simplesmente pulava por elas. Nesta situação, policiais a paisana apenas esperavam as ondas de dez ou vinte "saltadores de catraca" para então prendê-los. Os poucos que ainda pagavam a passagem, ao verem as prisões sendo efetuadas, estimulavam e elogiavam os policiais. Pagar a passagem começava novamente valer a pena. Mesmo às três horas da madrugada, policiais à paisana postavam-se nas estações, como se fossem passageiros esperando o metrô. Um desordeiro entrava na estação, olhava para os lados e não via nenhum policial uniformizado. Pulava a catraca e era imediatamente preso pelos policiais à paisana. O medo da prisão começou a alterar o comportamento daqueles que não pagavam a passagem. A quantidade dos que não pagavam começou a declinar significativamente. A primeira grande janela quebrada estava sendo consertada.

Àquela altura, já estava ficando claro para Bratton que a grande maioria das pessoas detidas por não pagarem a passagem eram justamente aquelas que causavam desordem no interior do metrô. Além disso, muitas das pessoas detidas, ou carregavam armas consigo, ou eram pessoas procuradas com mandados de prisão expedidos contra si. Atacando o problema do não pagamento das passagens, estava-se prevenindo a desordem e também que elementos criminosos entrassem no sistema subterrâneo de trânsito. Depois de um tempo, os desordeiros e criminosos começaram a deixar suas armas em casa. Menos armas, menos roubos, menos assaltos, menos assassinatos, menos vítimas. Começava-se a demonstrar, na prática, a relação entre desordem e criminalidade no interior do metrô. E, talvez mais importante, mediante um trabalho que era, ao mesmo tempo de repressão e de prevenção. Repressão à desordem e aos pequenos delitos. Prevenção aos crimes graves. E tudo isto apenas pela repressão a um delito patrimonial que custava, isoladamente, pouco mais de um dólar, e que, segundo muitos "entendidos", jamais deveria merecer a menor atenção da polícia.

Quando venceu as eleições para a Prefeitura de Nova Iorque em 1993, Rudolph Giuliani nomeou Bratton para chefiar o Departamento de Polícia. Depois do metrô, era hora de devolver as ruas aos novaiorquinos.

O que Bratton fez, em verdade, foi uma profunda reestruturação do Departamento de Polícia de Nova Iorque, mas tendo como uma das premissas básicas sempre os postulados da broken windows theory. Tendo em mente sempre a necessidade de coibir a desordem e reprimir os pequenos delitos, Bratton foi, aos poucos, devolvendo as ruas ao povo.

Uma de suas primeiras iniciativas foi atacar a conduta daqueles grupos de jovens que, de maneira velada ou não, geralmente em grupos, extorquiam dinheiro de motoristas após terem lavado os pára-brisas dos carros sem terem sido solicitados a fazê-lo. O que poderia parecer, em um primeiro momento, algo com que a polícia sequer deveria se preocupar, estava, na verdade, atormentando os motoristas, que se sentiam constantemente ameaçados. Era, na verdade, uma janela quebrada. Como esta conduta constituia uma infração menor, punida apenas com serviços comunitários, estas pessoas não podiam ser presas, mas apenas intimadas a comparecer em juízo. Ocorre que nem isto vinha sendo feito. Começou-se a fazer. No início, os intimados não compareciam a juízo e isto (o não atendimento à intimação) autorizava que fossem presos. Então prisões foram feitas. Com a certeza da punição, aquilo que durante anos atormentara a vida dos motoristas de Nova Iorque teve fim em poucas semanas.

Outras pequenas vitórias contra pequenos ilícitos confirmavam a teoria de Kelling: uma pessoa foi presa por urinar num parque, quando questionada sobre outros problemas deu informações à polícia que resultaram na localização de um esconderijo de armas; um motociclista foi detido por andar sem capacete, revistado, descobriu-se que carregava duas armas consigo e tinha várias outras em seu apartamento; uma pessoa vendendo mercadoria de origem suspeita, depois de questionada levou a polícia a um receptador de armas roubadas.

Nem todo aquele que pratica um delito menor pode ser considerado capaz de um delito grave. No entanto, alguns serão, especialmente se não encontrarem nenhuma repressão ao pequeno ilícito praticado. Além disso, podem ter informações sobre outras pessoas que são criminosos perigosos.

Outro fundamento da broken windows theory, o policiamento comunitário, também foi aplicado por Bratton em Nova Iorque. Em verdade, quando ele assumiu a chefia do Departamento de Polícia, tal plano já estava em andamento, com a contratação de mais policiais para trabalharem nas ruas e nas comunidades. O que Bratton fez foi aperfeiçoar o plano, identificando as áreas de maior criminalidade e desordem, e lá lotando um maior número de policiais. Bratton é explícito ao afirmar que "os policiais comunitários podem identificar as preocupações da comunidade e, algumas vezes, prevenir o crime simplesmente com a sua presença física".

E para os que ainda acham que um maior número de policiais nas ruas e entranhados nas comunidades não faz muita diferença, é o insuspeito Claus Roxin quem diz: "... sobretudo, sou partidário da concepção – que surgiu na América do Norte e pouco a pouco ganha mais partidários na Alemanha -, de que a polícia faz falta na rua e não nos gabinetes públicos" [3].

Em estudo sob o título "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", Theodomiro Dias Neto, Mestre em Direito pela Universidade de Wisconsin (EUA) e Doutorando em Direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), afirma que o debate contemporâneo na área policial gira em torno de como viabilizar a parceria entre polícia e comunidade na tarefa de prevenção ao crime, informando que a proposta é um estilo diferenciado de policiamento, caracterizado por:

1) uma concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia;
2) descentralização dos procedimentos de planejamento e prestação de serviços para que as prioridades e estratégias policiais sejam definidas de acordo com as especificidades de cada localidade;
3) maior interação entre policiais e cidadãos, visando ao estabelecimento de uma relação de confiança e cooperação mútua. [4] Tanto a broken windows theory, como a operação tolerência zero, abarcam estes três itens. E é isto o que Bratton fez em Nova Iorque. Quando refere "concepção mais ampla da função policial que abrange a variedade de situações não-criminais que levam o público a invocar a presença da polícia", Theodomiro Dias Neto está fazendo explícita referência à manutenção da ordem como uma das funções policias.

O resultado da aplicação da broken windows theory pelo Departamento de Polícia de Nova Iorque foi a diminuição, pela primeira vez em trinta anos, dos índices de criminalidade naquela cidade. Desde 1994, tais índices vêm diminuindo. A história desta estratégia vitoriosa é contada por William Bratton em seu livro "Turnaround – How America’s Top Cop Reversed the Crime Epidemic" (A Reviravolta – Como a Polícia Americana Reverteu a Epidemia de Crime). Esta política de segurança pública, a da aplicação da teoria de Kelling no combate à criminalidade em Nova Iorque é que veio a ser popularmente conhecida como "operação tolerância zero". Muito distante, portanto, da caricatura que alguns desinformados, por vezes, pintam, reduzindo a "operação tolerância zero" a uma mera "limpeza" das ruas centrais da cidade, que, na sua equivocada visão, consistiria apenas na retirada de prostitutas, gigolôs, bêbados e traficantes das ruas centrais de Nova Iorque.

A Legislação e a Jurisprudência Americanas – Um pequeno apanhado

Nos EUA já existiam, bem antes do advento da broken windows theory e da "operação tolerância zero", leis que criminalizavam determinadas condutas que, durante muito tempo, foram vistas apenas como meros atos de desordem. A autoridade para regular e reprimir legalmente comportamentos como mendicância agressiva, embriaguez pública, o uso apropriado dos parques e ruas da cidade, reside no poder constitucional do estado em prover a saúde, a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos.

Nos EUA um Estado pode delegar a uma municipalidade o poder de regular as condutas nestas áreas ou pode regular ele próprio inteiramente estas áreas. Todavia, Kelling e Coles informam que isto não tem sido fácil. Há uma razoável possibilidade de que regulamentos ou decretos municipais sejam considerados inconstitucionais, e que as municipalidades venham a ser processadas por aquelas pessoas que, eventualmente, tenham sofrido alguma restrição com base nestes regulamentos ou decretos.

Em verdade, o que ocorre é uma tensão ou um choque entre os direitos individuais daqueles que alegam que suas condutas supostamente desordeiras nada mais configuram do que o seu mero direito de expressão, e o direito da comunidade, para a qual os direitos individuais, por vezes, devem dar lugar aos valores comunitários, a fim de que a ordem possa ser mantida na comunidade, impedindo-se, assim, a proliferação da desordem e a ascensão da criminalidade.

Os que se contrapunham ao direito de se reprimir legalmente algumas condutas tidas como atos de desordem, tinham, fundamentalmente, duas restrições: a primeira era quanto à tipificação dos comportamentos, que alegavam ser vaga e imprecisa; e a segunda era de que tais leis, em verdade, não reprimiam uma conduta, mas sim uma condição (ou um status); a condição de pobre, sem-teto, viciado, etc. Tais restrições foram, eventualmente, levadas ao Judiciário americano.

Num primeiro momento, as tentativas de se reprimir legalmente tais comportamentos podem ser resumidas em dois tipos de leis: as "vagrancy laws" e as "loitering laws", algo que pode ser definido como "leis anti-vadiagem" e "leis contra o ato de perambular, demorar-se em um local, vagar sem destino".

Kelling e Coles referem dois casos fundamentais nos quais a Suprema Corte dos EUA julgou inconstitucional as "vagrancy e loitering laws".

O primeiro é o caso Papachristow v. City of Jacksonville, de 1972. Neste caso, oito indivíduos, entre negros e brancos, foram acusados de vagar a esmo, de carro, sem destino, perambulando pelas ruas de um bairro. Foram condenados por violarem uma lei de Jakcsonville, Florida, segundo a qual "elementos perniciosos, vagabundos, pessoas licenciosas, que perambulam de um lugar para outro, sem qualquer objetivo ou motivo legal, devem ser tidas como vadios, para efeitos legais". A Suprema Corte anulou a condenação, considerando que a lei de Jacksonville era imprecisa e vaga ao tipificar o comportamento incriminado, porque falhava na função de dar a uma pessoa de mediana inteligência uma informação razoável de que sua conduta era proibida e também porque estimulava prisões e condenações arbitrárias. A Suprema Corte também enfatizou que a lei em questão era inadmissível porque tornava criminosas condutas inocentes, tais como o simples ato de vagar ou perambular sem destino, que tinha sido, inclusive, parte da tradição americana. O resultado de um diploma legal tão impreciso seria, ainda segundo a Suprema Corte, colocar uma excessiva discricionariedade nas mãos da polícia.

O segundo caso é Kolender v. Lawson, de 1983. Lawson tinha sido detido ou preso pela polícia 15 vezes entre março de 1975 e janeiro de 1977, cada uma dessas vezes caminhando tarde da noite numa rua isolada próximo a uma área de alta criminalidade ou em uma área comercial onde muitos arrombamentos haviam sido cometidos. Foi acusado de acordo com uma seção da Lei Penal da Califórnia, que estabelecia:

"Toda pessoa que comete um dos seguintes atos é culpada de conduta desordeira, uma contravenção:.. . e) que perambula ou vagueia pelas ruas, sem razão aparente, e que se recusa a se identificar ou a prestar contas de sua conduta, quando requerido pela autoridade a fazê-lo, se as circunstâncias são tais que indicam, para uma pessoa razoável, que a segurança pública exige a sua identificação".

A Suprema Corte considerou a lei vaga e imprecisa diante da exigência do devido processo legal da 14 ª Emenda à Constituição por falhar ao definir a conduta criminal com suficiente precisão para que uma pessoa comum pudesse entender que sua conduta é proibida e de uma maneira que não encorajasse a arbitrariedade e a discricionariedade excessiva.

Como resultado destas duas decisões, a polícia e os Promotores deixaram de aplicar outras leis similares, que, não obstante não tivessem sido declaradas inconstitucionais, não eram mais aplicadas.

O próximo passo na busca de uma legislação que coibisse a desordem foram as "Loitering For the Purpose of Laws". Tais leis acresciam uma particular finalidade ao ato de vaguear, algo equivalente ao elemento subjetivo do tipo do direito brasileiro. Assim, o simples ato de perambular ou vagar de lugar em lugar não era tipificado. No entanto, se tal ato tivesse por finalidade um outro ato proibido pelo ordenamento jurídico, então a lei não seria inconstitucional. Um exemplo deste tipo de lei é a seção 647 (d) da Lei Penal da Califórnia conforme a qual "qualquer pessoa que esteja a vaguear próxima a um banheiro público para o fim de satisfazer sua lascívia ou para qualquer outro ato ilegal" incorre num ilícito penal. A Suprema Corte, em 1988, considerou constitucional esta lei, entendendo que a exigência do conhecimento de que determinada conduta era ilegal e a linguagem especificando o local do fato, diminuía qualquer potencial indeterminação da norma e cumpria sua função de noticiar os atos proibidos, além de evitar eventuais abusos policiais. Em outro julgamento, deste feita de uma Lei de Milwaukee (que tipificava a conduta de vaguear a ela acrescendo uma série de circunstância especiais e específicas), a Suprema Corte de Wisconsin manteve a lei da Municipalidade, e acrescentou ainda que existem áreas da conduta humana que, pela natureza dos problemas que apresentam, simplesmente tornam impossível ao legislador definir com exatidão absoluta a conduta ilícita.

As "Loitering For the Purpose of Laws" representaram um avanço. No entanto, segundo Kelling e Coles, nem todas as Cortes americanas aceitaram a constitucionalidade das mesmas. Ainda assim, em muitos estados americanos tais leis estão em vigor, e sendo aplicadas.

Mas tais leis e regulamentos também tiveram contra si a alegação de violação à primeira emenda à Constituição Americana que protege o direito de expressão [5]. Em Young v. New York City Transit Authority, em 1990, o Departamento de Trânsito de Nova Iorque foi processado porque seus regulamentos anti-mendicância no interior dos metrôs estariam violando a primeira emenda. A primeira emenda protege não apenas o mero direito de expressão verbal, mas também a conduta em que um comportamento e a expressão estão intrinsecamente ligados, de maneira a passar uma determinada mensagem. Exemplificando, a primeira emenda sustentou condutas tais como a queima da bandeira americana e passeatas em protesto contra o envolvimento dos EUA no Vietnã. Ou seja, outras formas de expressões não-verbais estão protegidas pela primeira emenda. Neste caso, o direito dos sem-teto de mendigar seria uma forma de expressão protegida pela primeira emenda. Anteriormente, a Suprema Corte havia entendido que as solicitações de fundos feitas por organizações de caridade eram uma forma de liberdade de expressão protegida pela primeira emenda, pois passaria uma mensagem sobre uma causa particular. Sem a solicitação de fundos, a mensagem ficaria muito prejudicada. Seria um dos casos em que a conduta (solicitar fundos) estaria intrinsecamente ligada à mensagem (os problemas dos necessitados). O Juiz que julgou o caso entendeu que a mendicância individual estaria protegida pela primeira emenda porque não seria possível dar a esta um tratamento diferenciado do tratamento dado às solicitações feitas por entidades de caridade. Além disso, entendeu que os interesses do Departamento de Trânsito (proteção dos usuários do metrô contra comportamentos que pudessem configurar ameaças e intimidações mediante uma mendicância agressiva) não eram suficientes para coibir o direito de mendigar dos sem-teto no metrô.

A decisão foi duramente criticada pela imprensa. Houve editorial que perguntou "quem é esse Juiz suburbano, que nunca usou o metrô para dizer aos Nova Iorquinos o que eles devem agüentar"?

No entanto, a decisão foi modificada em grau de recurso. Os juízes entenderam que o ato de mendicância não poderia ser considerado como um direito de expressão resguardado pela primeira emenda, uma vez que a imensa maioria dos indivíduos que mendiga, o fazem para coletar algum dinheiro, e não para passar alguma mensagem ao público. Se alguns sem-teto quisessem passar alguma mensagem sobre a falta de políticas públicas com relação à falta de moradia ou sobre sua própria situação, seria muito improvável que os passageiros do metrô, testemunhando aquela conduta (mendicância agressiva) pudessem concluir que o sem-teto estivesse passando uma mensagem, pelas específicas circunstâncias do metrô, que, antes, os fariam se sentir ameaçados e importunados. Prosseguindo, os juízes entenderam que os regulamentos anti-mendicância do Departamento de Polícia de Nova Iorque não se destinavam à supressão do direito de expressão no metrô, mas sim a garantir um ambiente seguro nas estações, prevenindo qualquer ato que pudesse causar intimidação ou atormentasse os passageiros. Por fim, os juízes concluíram que, mesmo se as condutas dos sem-teto no interior do metrô estivessem protegidas pela primeira emenda, a decisão de primeira instância havia pecado por ter superdimensionado o direito destes em detrimento do bem comum.

No entanto, a demonstrar o dissenso jurisprudencial, uma lei da Municipalidade de Nova Iorque que considerava contravenção perambular, permanecer ou vagar em local público (fora dos metrôs, em parques, ruas, etc.), para o fim de mendigar foi declarada inconstitucional por ofender a primeira emenda. O juiz entendeu que a mendicância era uma conduta e também forma de expressão que estavam intrinsecamente ligadas, e, portanto, protegidas pela primeira emenda, tal como as solicitações de fundos por entidades de caridade.

Não há consenso, portanto, acerca destas leis cujo principal objetivo é manter ou restaurar a ordem a fim de evitar o avanço da desordem e da criminalidade. A tendência é que o legislador aperfeiçoe cada vez mais a técnica legislativa, a fim de que a lei resista aos testes de constitucionalidade, não podendo alegar-se que é vaga ou imprecisa e tampouco que ofende a primeira emenda à Constituição. Esta tendência aponta, também, no sentido de especificação de determinados comportamentos, evitando as alegações de imprecisão que também podem levar à inconstitucionalidade. Neste sentido, estão em vigor nos EUA leis tipificando objetivamente determinados comportamentos que levam à desordem e à criminalidade, como a própria mendicância que se faz de uma maneira agressiva [6], obstrução de calçadas, embriaguez pública e vandalismo, dentre outras.

Crítica: Os Pobres e as Minorias como Alvo

Não obstante o extraordinário sucesso da "Operação Tolerância Zero" na diminuição da criminalidade em Nova Iorque, há veementes críticos desta política criminal.

Os críticos sustentam que tal política criminal oprime apenas os pobres, os necessitados e as minorias. Trata-se de evidente equívoco.

Keeling e Coles são claros ao afirmarem que o problema não é a condição das pessoas, mas sim o seu comportamento. O que se busca coibir é o comportamento que causa desordem e que prepara o terreno para a ascensão da criminalidade. Não importa, portanto, a condição da pessoas, mas sim sua conduta.

No entanto, os críticos questionam porque se preocupar com mendicância agressiva, lavagens de párabrisas não solicitadas, embriaguez pública, quando a violência anda solta nos grandes centros urbanos. Acaso estariam procurando bodes expiatórios para a violência? Helen Hershkoff, da União Americana das Liberdades Civis critica uma legislação que, tratando de maneira equivocada o problema da pobreza, termina por proibir que os necessitados simplesmente peçam dinheiro. [7]

Kelling e Coles identificam nas alegações de que o objetivo de manter a ordem nada mais significaria do que uma forma de opressão aos pobres e às minorias o resultado de décadas do crescimento de um individualismo sem limites. Produtos deste crescimento seriam a primazia do indivíduo e o seu direito de ser diferente; uma ênfase nas necessidades e direitos individuais e a crença de que tais direitos seriam absolutos; uma rejeição a uma moralidade média dos cidadãos americanos; e, por fim, a noção de que considerar indivíduos como criminosos os estigmatizaria e os tornaria realmente criminosos.

Na arena judicial as cortes americanas desenvolveram um corpo de precedentes legais nos quais a proteção aos direitos fundamentais e liberdades individuais expandiram-se e foram elevados a posições muito acima de suas respectivas responsabilidades ou dos interesses da comunidade. Sendo mais claro: a conduta de um indivíduo causador de desordem numa comunidade devia ser protegida porque, em última análise, ele tem direito a ser diferente, e sua liberdade de ser diferente deve ser protegida pelo judiciário. Os interesses da comunidade não podem sobrepor-se aos direitos e liberdades individuais de uma pessoa. A desordem cresceu, se expandiu e foi tolerada porque virtualmente todas as formas de desvios comportamentais não claramente violentos foram considerados sinônimos de expressão individual, e, como tal, supostamente protegidas pela primeira emenda.

No entanto, Kelling e Coles afirmam que a demanda por ordem permeia todas as classes sociais e grupos étnicos. Quando os usuários do metrô exigiram a restauração da ordem nas estações subterrâneas não eram os banqueiros ou os tubarões de Wall Street que estavam reclamando. Estes, afinal, tinham outras alternativas. Foram os trabalhadores, principais usuários do sistema, que exigiram a restauração da ordem e da segurança.

Os que advogam a restauração da ordem não estão propondo alguma forma de tirania da maioria. Referem-se, isto sim, a comportamentos que violam padrões de comportamento largamente aceitos por uma comunidade, e sobre os quais há um consenso, sem qualquer conotação racial, étnica ou de classes.

Além disso, a desordem tem conseqüências mais graves em comunidades pobres e, portanto, estas são justamente as que mais precisam de ordem a fim de evitar o aumento da criminalidade. Uma comunidade rica tem certas condições de manter um estado de ordem que uma comunidade pobre não tem, como, por exemplo, a contratação de segurança privada. É muito mais fácil consertar uma janela quebrada em uma comunidade rica do que em uma comunidade pobre. Portanto, antes de oprimir os pobres e minorias, a restauração e manutenção da ordem, em verdade, vêm em seu auxílio. Relembre-se da pesquisa de Wesley Skogan, referida no início deste estudo, e que concluiu que a relação de causalidade entre desordem e criminalidade era mais forte do que a relação entre criminalidade e outras características encontradas em determinadas comunidades, tais como a pobreza ou o fato de a comunidade abrigar uma minoria racial. Para o controle da criminalidade nestas comunidades, portanto, a restauração da ordem é imprescindível. Pobreza não deve necessariamente significar crime e desordem.


Criminalidade: Causas Multifatoriais

A desordem e a ausência de repressão a pequenos delitos não são, por certo, a única causa do aumento da criminalidade. E, não sendo a única causa, não foi apenas a ausência de combate à desordem que fez com que a criminalidade crescesse ininterruptamente durante três décadas nos EUA.

Na obra The Crime Drop in América (A Queda do Crime na América), Alfred Blumstein e Joel Wallman, o primeiro Professor Universitário e Diretor da Associação Nacional de Pesquisas sobre a Violência, e o segundo Ph.D pela Universidade de Colúmbia e Bolsista da Fundação Harry Frank Guggenheim, de Nova Iorque (onde faz pesquisas sobre violência e agressão), apresentam um profundo estudo sobre a queda da criminalidade nos EUA nos anos 90.

Neste estudo ambos concluem que não há uma explicação única para a diminuição da criminalidade verificada nos EUA na década de 90, mas sim uma variedade de fatores, alguns independentes, e outros que, interagindo entre si, foram importantes para o resultado final.

Blumstein e Wallmann, analisando os elementos da queda do crime nos EUA, citam as mudanças com relação ao tráfico de drogas, o incremento da economia, o controle do uso de armas de fogo, o aumento do número dos estabelecimentos prisionais (e das prisões) as alterações demográficas e, por fim, a política de combate ao crime, onde incluem a "tolerância zero" e a importância da comunidade como elementos de combate ao crime.

O grande aumento da criminalidade nos EUA verificado em meados da década de 80, segundo os autores, estaria diretamente relacionado ao aumento do tráfico de cocaína e crack. Blumstein e Wallman identificam subculturas de violência em relação ao tráfico de cada tipo de drogas. Identificam também "eras" de apogeu do comércio de entorpecentes, indicando, basicamente três períodos: o período da heroína (1960/73), o período da cocaína/crack (com pico em 1984/89), e o período da maconha/blunt (esta última uma nova "moda", resultante da colocação da erva no envoltório de cigarros baratos no lugar do próprio fumo, período iniciado por volta de 1990).

A subcultura do uso e do comércio de drogas consistiria na organização de normas de conduta que definem o que o participante deve fazer, o que não deve fazer e qual a punição para a desobediência. Os participantes, no caso, são tanto os usuários, quanto os traficantes. No caso da cocaína e do crack, a subcultura de seu uso e tráfico seria extremamente violenta, autorizando o uso de armas de fogo e o emprego de ameaças e violência físicas para assegurar a venda, o ponto, o pagamento, enfim, tudo o que se relacionasse ao comércio da cocaína e do crack e fosse necessário para assegurar o êxito do "negócio". Portanto, a subcultura do tráfico da cocaína e do crack, explicaria o vertiginoso aumento da violência dos anos 80, bem como o declínio da criminalidade na década de 90, quando encerra-se o pico da venda destas drogas, iniciando-se a era da maconha/blunt, cuja subcultura é bem menos violenta.

Ao analisar a proliferação dos estabelecimentos prisionais, os autores informam que os Estados americanos quadruplicaram sua massa carcerária, resultando em gastos que passam dos vinte bilhões de dólares anuais, o que são números que falam por si só como evidência de sua importância na diminuição da criminalidade, quanto mais não seja, pela simples razão de que o criminoso encarcerado não está nas ruas. Embora não neguem totalmente a importância do aumento das prisões na diminuição da criminalidade, Blumstein e Wallman sugerem que a criminalidade teria caído de qualquer maneira, por outros fatores, ainda que o aumento das prisões não tivesse ocorrido na escala em que ocorreu, reconhecendo, porém, que esta é uma questão aberta.

Ao tratarem especificamente da aplicação da broken windows theory e da "tolerância zero" como política criminal que levou à redução vertiginosa do crime em Nova Iorque, Blumstein e Wallman elencam uma série de opiniões de estudiosos que sustentam ou negam a importância desta política criminal da redução da criminalidade naquela metrópole. Os autores terminam por concluir que ainda é cedo para aquilatar-se o real impacto da "operação tolerância zero" e da broken windows theory na redução da criminalidade em Nova Iorque, concluindo também que não apenas a polícia deve "levar os louros" pela vitória contra o crime, pois ela não é uma instituição isolada, mas sim parte de uma rede de instituições, algumas formais (tribunais e escolas) e outras informais (família, igreja), todas elas respondendo ao crime. Não deixa de ser uma conclusão razoável para um estudo que, além de procurar indicar outras razões para a diminuição da criminalidade nos EUA, procura nitidamente diminuir a importância da teoria de Kelling e do trabalho de Bratton.

Se o crime tem causas multifatoriais, as soluções também são multifatoriais. Assim, a "tolerância zero" e a broken windows theory não são a panacéia de todos os males, mas devem ser encarados como um importante elemento no combate à criminalidade, embora não o único.

A Situação Brasileira

A esta altura, deve-se dizer que não se advoga a implantação pura e simples do modelo americano à realidade brasileira. Não apenas questões culturais e legais impediriam isso, senão que a simples falta de dinheiro para a implementação de uma política criminal nos moldes da que foi implementada em Nova Iorque configura uma barreira quase que intransponível para que se repita aquela experiência exatamente como aconteceu. O que realmente podemos e devemos aprender com a experiência americana é a necessidade inadiável de repressão às contravenções e aos pequenos delitos, como forma de manutenção da ordem e prevenção aos crimes graves.

Até pouco tempo atrás (leia-se, antes do advento da Lei n° 9099/95) o que se notava, no entanto, era a virtual paralisação do sistema quando se tratava de reprimir contravenções e pequenos delitos. Isto explica-se pela já referida estratégia de prioridades. A polícia, reza esta estratégia, deve priorizar a investigação de crimes graves, e não pode perder tempo com delitos de pouca gravidade.

Alguma condutas tipificadas pela lei das contravenções penais há muito tempo haviam deixado de ser reprimidas, como, por exemplo, provocação de tumulto e conduta inconveniente (art. 40), perturbação do trabalho ou do sossego alheios (art. 42), mendicância ameaçadora (art. 60, par. único, letra "a"), perturbação de tranqüilidade (art. 65), embriaguez (art. 62, apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia), recusa de dados sobre própria identidade ou qualificação (art. 68).

É bem verdade que tais contravenções não podem mais ser vistas pelas lentes do intérprete de 1942. Mas nos perguntamos se alguns dos bens jurídicos que elas protegem por acaso não mais merecem a proteção da norma penal. O trabalho e o sossego alheios não mais merecem ser protegidos contra a perturbação? A ordem pública não mais merece ser protegida contra a provocação de tumulto e condutas inconvenientes? A tranqüilidade não mais merece ser protegida contra a perturbação? A nosso sentir a resposta deve ser sim. Mas não apenas pelo valor intrínseco de cada um destes bens jurídicos, mas sim porque a ofensa a estes bens jurídicos sem a devida repressão configura as primeiras janelas quebradas que, não consertadas, irão, mais tarde, solapar todo o sistema de segurança pública, levando ao aumento da criminalidade. Mudaram, também, certamente, os conceitos de sossego, tranqüilidade, condutas inconvenientes, etc., que, em 1942 eram um, e em 2003, certamente são outros. Mas isto, antes de tornar o dispositivo legal letra morta, deveria, bem ao contrário, garantir sua sobrevivência ao longo dos tempos. É de se observar que os bens jurídicos protegidos por estas normas dizem respeito, em maior ou menor grau, à manutenção da ordem na comunidade.

O próprio ato de quebrar janelas configura o crime de dano (art. 163 do Código Penal). Igualmente a pichação configura o crime de dano, ambos potencialmente causadores de desordem e criadores de condições ambientais propícias à ascensão da criminalidade. Com relação à pichação, a absoluta escassez de jurisprudência sobre o assunto, diante da dimensão epidêmica com que esta forma do crime de dano se faz presente nos grandes centros urbanos, dá bem uma idéia da virtual ausência de repressão a este delito. Em uma pesquisa rápida, encontramos apenas dois julgados a respeito, ambos do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, e cujas ementas são as seguintes:

"Dano qualificado. Agente que, mediante pichação, deteriora a pintura de prédio municipal. Configuração – Configura o crime previsto no art. 163, parágrafo único, III, do CP, a conduta do agente que, mediante pichação, deteriora a pintura de prédio municipal " (Recurso de Apelação, Processo n° 1199469/1, Relator: Amador Pedroso, 12ª Câmara, Data: 05.06.200)

"Dano. Agente que faz pichações sobre muro já parcialmente pichado. Configuração. Inocorrência: Inexiste crime de dano na modalidade ‘deteriorar’, na conduta do agente que faz pichações sobre muro já parcial e anteriormente pichado com propaganda eleitoral ou semelhante, uma vez que não houve deterioração" (Recurso em Sentido Estrito, Processo n° 1188271/2, Relator: Evaristo dos Santos, 9ª Câmara, Data: 19.04.2000).

Esta segunda ementa é particularmente interessante na medida em que refere uma pichação em um muro já deteriorado. Ou seja, é mais fácil (e há até um certo estímulo) pichar um muro já deteriorado do que um muro limpo, da mesma maneira que é mais fácil quebrar uma janela quando outras já estão quebradas. Portanto, assim como uma janela quebrada deve ser imediatamente consertada, um muro pichado deve ser imediatamente limpo.

Registre-se, ainda, que não desconhecemos o entendimento dos que sustentam que os bens protegidos pela criminalização das condutas contravencionais sequer deveriam ser protegidos pelo direito penal. A estes fica, ao menos, a seguinte questão: não é razoável utilizar-se o direito penal para proteger minimamente a comunidade de condutas que criam um clima propício, e quase irresistível, para a ascensão da criminalidade violenta?

Mas não é apenas a estratégia das prioridades policiais que levou à ausência de repressão a tais contravenções e delitos em que não se verifica violência ou grave ameaça à pessoa. Há que se reconhecer que uma visão, em nosso entender, equivocada do Direito Penal, nos últimos anos e décadas, em muito contribuiu para isto.

O princípio da intervenção mínima, base do movimento penal que terminou sendo conhecido como "direito penal mínimo", orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. [8] Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Ainda segundo tal princípio, o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. A leitura que se costuma fazer deste princípio é que apenas as condutas que configurem um ato de violência física ou uma ameaça grave devem ser criminalizadas. Tal conclusão se afigura insustentável quando resta comprovado que desordem, contravenções e pequenos delitos, quando não reprimidos, levam à criminalidade violenta. Isto não significa, por óbvio, que estes pequenos delitos que configuram desordem devem ser punidos com pena de prisão. No entanto, a resposta deve ser penal, seja por pena de multa seja por penas restritivas de direitos, como forma de deixar claro ao desordeiro que sua conduta é grave e não será tolerada pelo estado.

A ordem, o sossego alheio e a tranqüilidade são bens jurídicos que merecem a proteção da norma penal não apenas pelo seu valor intrínseco, mas também porque protegendo-os, está-se evitando a ascensão da criminalidade violenta. Quando as pequenas janelas estão quebradas, não adianta correr para tentar evitar que as grandes janelas sejam quebradas. Elas inevitavelmente o serão. Ou seja, não adianta invocar o Direito Penal para cuidar dos crimes violentos quando desprezou-se seu poder de coerção com relação a crimes menores, invocando-se princípios como o da intervenção mínima. Isto significa atuar apenas no resultado e não na prevenção. O resultado só pode ser o aumento da criminalidade.

O princípio da fragmentariedade, a seu turno, corolário do princípio da intervenção mínima, sustenta que apenas as ações ou omissões mais graves endereçadas contra bens valiosos podem ser objeto de criminalização [9]. Segundo Muñoz Conde [10] tal princípio apresenta-se sob três aspectos: em primeiro lugar, defende o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da prática imprudente em alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das condutas que outros ramos do direito consideram antijurídicas e, finalmente, deixando sem punição condutas meramente imorais como a mentira. Novamente aqui o problema está em considerar bens valiosos, apenas a vida, a integridade física, a liberdade sexual, a liberdade individual e o patrimônio, por exemplo. E considerar a ordem, o sossego, e a tranqüilidade como bens não suficientemente importantes para merecerem a proteção da norma penal. Desde que a ofensa a tais bens sem a devida repressão penal levará inevitavelmente a uma criminalidade violenta, os mesmos devem ser protegidos pela norma penal, pois são as pequenas janelas cuja integridade garantirá a sobrevivência do sistema de proteção social, evitando a proliferação da desordem e da criminalidade.

Observa-se, hoje, no Direito Penal, quase que um pensamento único com relação à doutrina do Direito Penal Mínimo. Seus inúmeros defensores não se cansam de repetir que a repressão penal deve ser utilizada apenas em caso de crimes graves. Para condutas menos graves, sustentam, há outras alternativas, tal como as sanções meramente administrativas. Tal pensamento, repetido exaustivamente, fez e vem fazendo com que inúmeros operadores do direito na área penal, desde Policiais, até Promotores e Juízes, simplesmente desprezem os delitos de menor gravidade, levando à não instauração do inquérito pela autoridade policial, ao arquivamento do inquérito pelo Promotor de Justiça, ao não recebimento da denúncia ou à absolvição, pelo Juiz, mesmo quando o delito está presente, sob o argumento de que trata-se de um ilícito menor, que não justifica a imposição de uma sanção penal, ou sequer a instauração da ação penal. Mal percebem que ali está o ovo da serpente, a raiz da criminalidade violenta que, mais tarde, não terão condições de combater eficazmente.

A situação, em tese, deve ter mudado um pouco com o advento da Lei n° 9099/95, pois fatos delituosos que sequer mereciam a instauração de um inquérito, agora merecem, ao menos, a instauração de um TC. Mas ainda é cedo para chegar-se a alguma conclusão a este respeito, dado o fato de a lei ser nova e considerando-se a profunda deterioração causada no sistema de prevenção criminal, decorrente de anos de licenciosidade com condutas consideradas não dignas de receberem uma resposta penal

É bom registrar que não se advoga uma criminalização e/ou repressão de toda e qualquer conduta que ofenda qualquer bem jurídico. Nem todo bem jurídico é passível de proteção por uma norma penal. Há casos na legislação brasileira em que a criminalização de determinadas condutas afigura-se como risível. Tome-se como exemplo a Lei n° 7643/87, que proíbe a pesca de cetáceos nas águas jurisdicionais brasileiras, e cujo art. 1° determina que "fica proibida a pesca, ou qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras". A pena é de dois a cinco anos de reclusão. Sem contar o problema de definir-se o que configura "molestamento intencional", fato é que o sossego de um cetáceo não é um bem jurídico digno de proteção por uma norma penal, até porque pode ser muito bem protegido, e até com mais eficácia, por regulamentos administrativos. Aqui, nem o bem jurídico em si, e nem a possibilidade de a conduta ser causadora de desordem (inexistente no caso) justifica uma proteção por uma norma penal.

Assim como há exageros em um sentido, há exageros em outro. Luigi Ferrajoli que tanta influência exerce na doutrina pátria com sua obra "Derecho Y Razon", ao analisar quando e como proibir, critica o Código Rocco, alegando que este elenca uma excessiva quantidade de bens jurídicos por meio da criminalização de inúmeras condutas, para em seguida concluir que "nosso princípio de lesividade permite considerar ‘bens’ somente aqueles cuja lesão se concretiza em um ataque lesivo a outras pessoas de carne e osso" [11]. Como resultado deste entendimento, teríamos que o tráfico de drogas, o estelionato, o furto, a apropriação indébita, o peculato, a corrupção, os crimes do colarinho branco (crimes contra a ordem econômica e tributária), a organização de pessoas para atividades criminosas, e a lavagem de dinheiro, por exemplo, não merecem ser criminalizados. Idéias como esta em nada contribuem para o combate à criminalidade e nem mesmo para a evolução do Direito Penal. Pelo contrário, fazem com que a norma penal seja invocada apenas quando a situação já está de tal forma deteriorada, que mesmo sua aplicação pouco efeito terá em seus fins preventivos e repressivos. Isto sem falar na consagração definitiva do Direito Penal, agora sim, como instrumento de opressão exclusiva dos pobres, pois estes praticam o roubo (subtração de bem com violência contra a pessoa), enquanto que os criminosos do colarinho branco, praticam o peculato, a corrupção, a apropriação indébita e os crimes contra a ordem tributária e econômica, sem, portanto, exercerem violência contra uma pessoa "de carne e osso", fazendo tudo isso diante da tela de seus moderníssimos computadores, enfiados em ternos ingleses, com gravatas italianas e nos ambientes climatizados e acarpetados de onde, certamente, dão graças aos céus por receberem tão valioso auxílio doutrinário na área penal.

Conclusão

Quando se está às voltas com índices de criminalidade que há muito já ultrapassaram o limite do tolerável, não se pode ignorar exemplos vitoriosos de combate à criminalidade.O exemplo americano, pois, deve, no mínimo, ser levado em consideração.

A desordem é, comprovadamente, fonte de criminalidade e deve ser rigorosamente combatida. O pensamento que se convencionou chamar de "Direito Penal Mínimo" peca ao considerar como dignos de proteção pela norma penal apenas condutas que configurem atos de violência grave exercida contra a pessoa, atuando, portanto, apenas repressivamente, e não preventivamente em relação à criminalidade violenta. A norma penal deve proteger, também, aqueles bens cuja violação gera desordem, medo e, mais tarde, criminalidade.

A broken windows theory e a "operação tolerância zero" são, ao contrário do que normalmente se pensa, muito mais políticas de prevenção à criminalidade violenta, do que propriamente política criminal de repressão.

Nenhum direito pode ser exercido de forma absoluta. Portanto, não se deve hipertrofiar os direitos individuais em claro prejuízo aos direitos de uma comunidade de levar uma vida dentro de mínimos padrões de ordem e segurança, padrões estes largamente aceitos e que reclamam proteção, não podendo isto ser visto como uma ofensa aos direitos individuais.

Notas

         01. A obra "The Crime Drop in América" (A Queda do Crime na América) anota que, em meados da década de 90 a criminalidade violenta caiu em níveis que não se viam desde a década de 60)
         02. Report on a Pilot Study in the District of Columbia on Victmizacion and Attitudes Towards Law Enforcement - Departamento de Justiça Americano (Washington D.C. US Government Printing Office, 1967)
         03. "Problemas Atuais de Política Criminal", Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, n° 4, pág. 14.
         04. "Policiamento Comunitário e Controle sobre a Polícia – a experiência norte-americana", IBCCRIM, São Paulo, 2000, p. 15.
         05. Conforme a Primeira Emenda à Constituição Americana, "O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de expressão, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos".
         06. A Lei das Contravenções penais brasileira tipifica a medicância feita mediante ameaça (art. 60, "a", da LCP)
         07. "Leis Contra Mendicância Agressiva. Estas leis violam a Constituição: Sim: Silenciando os Sem-Teto", publicado no ABA Journal, em junho de 1993, conforme citado por Kelling.
         08. Conforme Maurício Antônio Ribeiro Lopes, in Princípios Políticos do Direito Penal, ed. RT, 2ª ed., 1999, p. 92.
         09. Maurício Antônio Ribeiro Lopes, ob. cit. p. 93.
         10. Introdução al Derecho Penal, Barcelona, Bosch, p. 72.
         11. Derecho Y Razon – Teoria del Garantismo Penal, Editorial Trotta, 4ª Ed., 2000, p. 478


Daniel Sperb Rubin. promotor de Justiça em Porto Alegre (RS)
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/3730/janelas-quebradas-tolerancia-zero-e-criminalidade#ixzz27uPnswJB


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sou obrigado a contestar o nosso ilustríssimo promotor e autor deste brilhante artigo. O que inutiliza no Brasil a aplicação da teoria "JANELAS QUEBRADAS" ou "TOLERÂNCIA ZERO" contra a criminalidade não é a falta de dinheiro, mas a falta de interação entre as leis penais e civis e de um Sistema de Justiça Criminal integrado e comprometido com as questões de ordem pública, aplicando de forma coativa as leis e executando processos e ações desburocratizados, céleres, aproximados voltados à supremacia do interesse coletivo. Para tanto, o Sistema de Justiça Criminal precisa estar amparado por leis civis e penais fortes, respeitadas e temidas. Se hoje, fosse aplicada a teoria da "tolerãncia zero" pelos policiais, elas seriam desmoralizadas na justiça onde o andor é diferente e onde vigora um ativismo judicial mais preocupado com a situação social e direitos do indivíduo do que com os interesses coletivos por ordem, justiça e segurança.  Ao invés do exercício da função precípua da aplicação coativa das leis, a justiça prefere o caminho do abrandamento dos pequenos crimes e infrações, adotando medidas alternativas, regimes brandos, licenças, interdição de presídios e soltura dos presos, sem se ater para a periculosidade do bandido ou para a rotina de terro enfrentada pela população.
 
O autor está correto em afirmar que "questões culturais e legais impediriam isso", já que a cultura se obtem pela educação e pelas leis asseguradas pela justiça, em que as pessoas seguem de forma consciente ou por coação. Também é importante salientar que, enquanto os EUA combatem o crime com a "a necessidade inadiável de repressão às contravenções e aos pequenos delitos, como forma de manutenção da ordem e prevenção aos crimes graves", o Brasil navega ao contrário, sendo benevolentes com os pequenos crimes e com  infratores, pichadores, vândalos, agressores e vendedores de drogas, estimulando a impunidade e a formação do bandido perigoso. 
 
Destaco as seguintes observações do autor, muito pertinentes e que servem para reflexão:

"A desordem é, comprovadamente, fonte de criminalidade e deve ser rigorosamente combatida. O pensamento que se convencionou chamar de "Direito Penal Mínimo" peca ao considerar como dignos de proteção pela norma penal apenas condutas que configurem atos de violência grave exercida contra a pessoa, atuando, portanto, apenas repressivamente, e não preventivamente em relação à criminalidade violenta. A norma penal deve proteger, também, aqueles bens cuja violação gera desordem, medo e, mais tarde, criminalidade." 

"O próprio ato de quebrar janelas configura o crime de dano (art. 163 do Código Penal). Igualmente a pichação configura o crime de dano, ambos potencialmente causadores de desordem e criadores de condições ambientais propícias à ascensão da criminalidade."

 "Mas não é apenas a estratégia das prioridades policiais que levou à ausência de repressão a tais contravenções e delitos em que não se verifica violência ou grave ameaça à pessoa. Há que se reconhecer que uma visão, em nosso entender, equivocada do Direito Penal, nos últimos anos e décadas, em muito contribuiu para isto."

"A ordem, o sossego alheio e a tranqüilidade são bens jurídicos que merecem a proteção da norma penal não apenas pelo seu valor intrínseco, mas também porque protegendo-os, está-se evitando a ascensão da criminalidade violenta. Quando as pequenas janelas estão quebradas, não adianta correr para tentar evitar que as grandes janelas sejam quebradas. Elas inevitavelmente o serão. Ou seja, não adianta invocar o Direito Penal para cuidar dos crimes violentos quando desprezou-se seu poder de coerção com relação a crimes menores, invocando-se princípios como o da intervenção mínima. Isto significa atuar apenas no resultado e não na prevenção. O resultado só pode ser o aumento da criminalidade."

"Quando se está às voltas com índices de criminalidade que há muito já ultrapassaram o limite do tolerável, não se pode ignorar exemplos vitoriosos de combate à criminalidade.O exemplo americano, pois, deve, no mínimo, ser levado em consideração."

"Nenhum direito pode ser exercido de forma absoluta. Portanto, não se deve hipertrofiar os direitos individuais em claro prejuízo aos direitos de uma comunidade de levar uma vida dentro de mínimos padrões de ordem e segurança, padrões estes largamente aceitos e que reclamam proteção, não podendo isto ser visto como uma ofensa aos direitos individuais."

Nenhum comentário: