O Policiamento Comunitário ou de Proximidade é um tipo de policiamento ostensivo que emprega efetivos e estratégias de aproximação, ação de presença, permanência, envolvimento com as questões locais, comprometimento com o local de trabalho e relações com as comunidades, objetivando a garantia da lei, o exercício da função essencial à justiça e a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do do patrimônio. A Confiança Mútua é o elo entre cidadão e policial, entre a comunidade e a força policial, entre a população e o Estado.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

UPP PRECISA TER A CONFIANÇA DA POPULAÇÃO PARA OBTER RESULTADOS


Especialista: UPPs precisam ter a confiança da população para obter resultados. Para Alba Zaluar, traficantes tentam retomar pontos de tráfico após desmoralização da PM durante protestos

CARLA ROCHA
SÉRGIO RAMALHO
O GLOBO
Publicado:12/12/13 - 5h00


RIO - Uma pergunta que está na cabeça dos idealizadores da programa de pacificação e de especialistas em segurança é o que faz uma UPP funcionar bem numa comunidade e enfrentar resistências mais ou menos graves em outras. Responder a essa questão é o primeiro passo para que sejam feitos os ajustes necessários no projeto, que tem 36 unidades em funcionamento. Casos como o da Rocinha, onde aconteceu o assassinato do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, ou de Manguinhos, ainda palco de confrontos, acendem um sinal de alerta máximo.

Falta de policias qualificados para ocupar favelas, serviços e projetos sociais complementares à ação policial e fundamentalmente a confiança da população. O projeto das UPPs precisa de credibilidade para ter sucesso. Além do caso Amarildo, que remete a velhas práticas, a onda de protestos que teve início em junho deslocou PMs do policiamento e provocou um desgaste na imagem da Polícia Militar e do próprio governo. Para especialistas, o fenômeno tem impacto no processo de pacificação, que lida também com o imaginário coletivo.

— A Polícia Militar ficou desmoralizada nessas manifestações, foi agredida, xingada e se excedeu, criando uma animosidade. Ao mesmo tempo, o comandante da UPP da Rocinha, que era do Bope, fez aquilo. O Amarildo morreu. Os traficantes disseram: a UPP acabou, vamos retomar as bocas. As pessoas que são contra o projeto, que têm interesses eleitoreiros, se aproveitam — diz a antropóloga Alba Zaluar.

O tamanho da favela, a importância do tráfico na geração de renda na comunidade e a relação dos bandidos com moradores são outros aspectos importantes. O professor Cláudio Ferraz, do Departamento de Economia da PUC-RJ, diz que a resistência do tráfico é proporcional à lucratividade do mercado de drogas:

— A briga para manter o controle do território vai ser maior onde a lucratividade do negócio é maior. É o caso da Rocinha.

Para o sociólogo Ignácio Cano, a entrada dos investimentos sociais é muito desigual.

— Na Cidade de Deus, tem sido intensa. Mas é frágil no São Carlos e no Fallet, por exemplo — conclui, lembrando que a corrupção, quase sempre, está por trás de episódios de violência.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - FINALMENTE UM "ESPECIALISTA" ENXERGA O ÓBVIO. Um dos pilares do policiamento comunitário é a relação de confiança entre policiais e comunidade. E tem sido o maior erro dos governantes e gestores policiais que tentam impor esta estratégia com política partidária, subsídios e decisão de comando, desprezando o perfil comunitário, o comprometimento, a qualificação, a preparação e o relacionamento interpessoal.

domingo, 8 de dezembro de 2013

VOZ SEM MEDO DOS QUE NÃO TINHAM VEZ É OUVIDA


Com UPPs, a voz sem medo dos que não tinham vez é ouvida. Moradores de comunidades pacificadas confirmam que houve mudanças, mas dizem que ainda é possível melhorar

CARLA ROCHA, SELMA SCHMIDT E SÉRGIO RAMALHO
O GLOBO
Atualizado:8/12/13 - 9h32


Márcia Jacintho teve o filho Hanry assassinado por policiais Guito Moreto / Agência O Globo


RIO - Com um tom fatalista e indignado, Dalva Silva conta a história dos piores anos da sua vida no Borel. Estes começaram em 2003, quando o filho mais velho, Thiago, de 19 anos, foi morto por policiais.

— Naquele dia, a polícia subiu o morro para matar...

No beco onde tudo aconteceu, ela revive emoções que resistem a abandoná-la, mesmo passados dez anos, e chora ao lembrar que, ao cair, baleado cinco vezes à queima-roupa por tiros de fuzil, o seu menino quebrou os dentes da frente, desfazendo o sorriso impecável depois de anos de uso de aparelho. Dalva ainda mora na mesma casa, mas num morro, sob certo aspecto, muito diferente: no ano passado só foram registrados dois assassinatos, metade da chacina que, num único dia, levou a vida de Thiago e as de outras três pessoas.

Conhecido como chacina do Borel, o episódio mobilizou a opinião pública na época e os próprios moradores do morro, o que permitiu que o crime fosse desvendado. Dalva não conseguiu a justiça que esperava — depois de serem condenados e recorrerem, os executores de seu primogênito já podem estar soltos —, mas cumpriu uma missão que se impôs: o filho não entraria para o noticiário como traficante morto em confronto com a polícia (“O que mais me doía era ver o meu filho tratado como bandido”). A UPP do Borel foi inaugurada em 7 de junho de 2010. Desde então, Dalva nunca mais ouviu tiros. Atualmente, trabalha numa creche da Casa Branca, o que seria impossível há algum tempo, já que as facções criminosas das duas comunidades eram rivais.

— Não posso dizer que não houve melhoria. Antes, não havia hora para os tiroteios. Nunca imaginei ver crianças brincando pelas ruas do morro, indo e voltando da escola sozinhas. Mas precisamos desmilitarizar a polícia. Hoje os policiais ainda são executores. Matam nossos filhos usando farda, armas e balas que pagamos com o dinheiro dos nossos impostos.

Desde a implantação da UPP, os moradores do Borel não escutam mais relatos de mães que perderam filhos, vítimas de abusos praticados por PMs. Nos dois últimos anos, não houve na comunidade nenhum registro de auto de resistência, como eram classificadas as mortes de civis ocorridas em supostos confrontos com policiais. As execuções, geralmente mascaradas como trocas de tiros, também não são rotina para quem vive nas outras 28 comunidades pesquisadas. Nelas, no ano passado, foram registradas cinco mortes em confrontos, uma a menos do que em 2011.

Antes das UPPs, as estatísticas de assassinatos — que por muitos anos imprimiram a marca da violência em favelas e morros do Rio — cresciam a reboque de tiroteios quase diários. A pesquisadora Joana Monteiro, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, acaba de concluir um estudo sobre conflitos entre facções de traficantes no Rio de 2003 a 2012 para analisar os efeitos da política de pacificação sobre a frequência dos confrontos. O levantamento, que será apresentado a partir de amanhã em um seminário na FGV, mostra que houve tiroteio em pelo menos uma favela do Rio em 65% dos dias no período analisado. O universo considerado foram cerca de 5.600 comunicações de confronto feitas ao Disque-Denúncia.

— É como se tivéssemos uma guerra ininterrupta de seis anos e meio — observa Joana, chamando a atenção para dois aspectos da pesquisa. — De forma geral, a quantidade de conflitos não caiu após a política de pacificação. E uma das explicações pode ser que eles tenham aumentado em áreas não ocupadas ou sido realocados para novas favelas. Por outro lado, houve uma redução considerável nas áreas com UPPs. A política está indo para onde deveria ir, mas a Zona Norte ainda está esquecida. Precisamos ir para Muquiço, Urubu e Juramento, que são regiões extremamente violentas e estão esquecidas.

Como a segurança não se resume a uma equação matemática, uma UPP, para ser bem-sucedida, depende de recursos materiais, policiais bem treinados e, ao mesmo tempo, de ações de estado em serviços e projetos de alcance social. Mas também de aspectos intangíveis, como a confiança da população local, que fica abalada com acontecimentos como a recente morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, na Rocinha, da qual são acusados PMs da própria unidade da favela.

Moradora do Morro do Gambá, no Complexo do Lins, Márcia Jacintho ainda vê com incredulidade a instalação de uma UPP. Em 2002, seu filho, Hanry, de 16 anos, saiu para visitar um amigo e não voltou. Ele foi abordado por policiais quando descia o morro. Márcia é uma das muitas mães que se engajaram na cruzada por justiça em comunidades, onde homens jovens e negros sempre foram a maior parte das vítimas de homicídios. No tribunal, ela denunciou que o filho fora vítima da ira de policiais corruptos. Apesar de dizer que não se arrepende da luta, que lhe custou um infarto em 2008, Márcia costuma responder sempre da mesma forma quando lhe perguntam se os PMs foram presos: “Sou a única presa dessa tragédia. Presa ao sofrimento todo Natal, todo Ano Novo, todo aniversário dele, toda vez que vejo um rapaz de 27 anos, que seria a idade do meu filho agora”.

— Assim como foi ele, poderia ter sido qualquer outro. Os policiais só queriam vingança porque não tinham recebido o arrego do tráfico. Pegaram meu filho e o levaram para um matagal. Ele foi morto com uma bala no coração. Espero que as coisas melhorem, mas não tenho muita esperança. Nós não precisamos de tráfico, nem do policial que não respeita ninguém. Já não vemos mais bandido circulando de fuzil. Quanto tempo isso vai durar e se a polícia vai mudar, só o tempo poderá responder.

UPP RIO - TAXA DE HOMICÍDIOS É QUASE 1/3 DA MÉDIA NACIONAL


Taxa de homicídios em UPPs é quase 1/3 da média nacional. Índice nas favelas pacificadas é de 8,7 mortes por 100 mil habitantes, enquanto a taxa média de assassinatos do país é de 24,3 por 100 mil. Dona Marta, em Botafogo, que recebeu a 1ª Unidade de Polícia Pacificadora, não tem assassinatos há 5 anos. Chances de um assassinato são maiores em Washington e Medellín do que nas comunidades pacificadas

CARLA ROCHA, SELMA SCHMIDT E SÉRGIO RAMALHO
O GLOBO
Atualizado:8/12/13 - 9h32

Crianças brincam em uma praça do Morro Dona Marta. A situação de tranquilidade vista hoje contrasta com os tempos em que a comunidade vivia com medo, sob o domínio de traficantes de drogas Guito Moreto / Guito Moreto


RIO - Sol a pino e sensação térmica de mais de 40 graus. Para aliviar o calor, meninos tomam banho de mangueira no largo de acesso ao Morro Dona Marta. Alheios à algazarra, moradores e turistas circulam entre vielas, que lembram um labirinto. Anos atrás, a imagem seria diferente. No local onde os garotos hoje se banham havia um ponto de venda de drogas, traficantes ditavam as regras, e a lei era a do fuzil. Com a implantação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio, a comunidade de seis mil habitantes, em Botafogo, viu a rotina de guerra mudar e há cinco anos não conta um assassinato. Nesse período, o programa de pacificação retomou territórios, onde os homicídios caíram drasticamente. Atualmente, em 29 favelas pacificadas na cidade, onde vivem 252,5 mil pessoas, há 8,7 mortes por 100 mil habitantes. O número representa menos da metade da taxa média de assassinatos do país, que é de 24,3.

Levantamento inédito feito a partir de estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP) revela que em sete — Dona Marta, Chapéu Mangueira, Babilônia, Ladeira dos Tabajaras, Morro dos Cabritos, Formiga e Salgueiro — das 29 comunidades analisadas não foi registrado sequer um assassinato no ano passado. Nas outras 22 favelas, houve 22 mortes, e a tendência é de queda: foram seis a menos que em 2011. Para dar uma ideia, porque do ponto de vista estritamente técnico as comparações precisam ser entre universos semelhantes, significa dizer que hoje a chance de acontecer um assassinato nas comunidades pacificadas da cidade é menos da metade da de Washington D.C., capital dos EUA, atualmente com taxa de 19 mortes por 100 mil. Se comparada à de Medellín, é quatro vezes menor. A cidade colombiana, que foi reduto do traficante Pablo Escobar, passou por transformações, mas ainda tem taxa de 38 assassinatos por 100 mil habitantes.

— Acima de dez por 100 mil habitantes, é considerada endêmica. Até dez, a situação não é normal, mas está muito próxima da normalidade. Apenas para ilustrar, porque não são coisas semelhantes, não há no Brasil qualquer estado ou capital com taxa abaixo de 10. Estou fazendo um análise técnica, sem entrar no mérito de como foi feito o levantamento, porque não conheço a metodologia — diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência, que pesquisa a violência no país há mais de uma década.

Apesar de já terem sido implantadas 36 UPPs, que beneficiam diretamente 540,5 mil pessoas, os dados levantados pela reportagem do GLOBO junto ao ISP levam em conta apenas os registros de 18 UPPs, que abrangem 29 comunidades. Trata-se de unidades com pelo menos dois anos de existência, o que dá mais consistência à análise dos resultados. Com isso, comunidades como Rocinha, Nova Brasília, Adeus, Baiana e Alemão, além das do Complexo do Lins, recentemente ocupadas, ficaram de fora. O diretor-presidente do ISP, Paulo Augusto Souza Teixeira, garante que há uma tendência de queda nas taxas de homicídios. Para ilustrar, ele diz que no primeiro semestre deste ano só houve sete homicídios, contra 14 no mesmo período de 2012. Esses números já incluem as quatro novas áreas pacificadas: Adeus, Alemão, Baiana e Nova Brasília, totalizando 33 comunidades atendidas por UPPs.

Maria dos Anjos, de 40 anos, não entende de taxas ou estatísticas. A diarista, mãe de três filhos, cresceu no Dona Marta em pleno período de guerra entre quadrilhas. Para ela, o mais importante é poder sair de casa pela manhã sabendo que o imóvel não será invadido por bandidos enquanto estiver fora:

— Meus filhos já estão encaminhados, trabalham e cuidam de suas famílias, mas tenho um casal de netos que nunca ouviu um tiro. No passado, perdi as contas das vezes em que pedi para dormir na patroa, por não poder voltar para casa por causa dos tiros.

Para José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio, os números provam que a política de segurança está no caminho certo. O governador Sérgio Cabral acrescenta que o projeto representa o rompimento com a inércia, que por 40 anos abandonou parte do Rio.

FALTA DE INFRAESTRUTURA


Apesar de UPPs, favelas ainda sofrem com falta de infraestrutura. Comunidades têm problemas como ausência de rede de esgoto e recolhimento de lixo, além de iluminação precária

CARLA ROCHA
SELMA SCHMIDT
SÉRGIO RAMALHO
O GLOBO
Atualizado:8/12/13 - 9h53

Moradores do Dona Marta usam lanterna em viela da favela Guito Moreto / O Globo


RIO — Se por um lado a UPP abriu caminho para que o Morro Dona Marta, em Botafogo, se consolide como ponto turístico, também deixou à mostra as carências típicas das favelas. Algumas delas, contudo, só podem ser vistas à noite, com auxílio de lanternas. É assim, iluminando o próprio caminho, que Antônia de Oliveira, de 52 anos, chega em casa, ironicamente, na Rua da Luz. Apesar de os R$ 7 da taxa pelo serviço constar mensalmente da conta de luz, o breu toma conta de becos e vielas, obrigando moradores a andarem com lanternas para escapar da escuridão.

— A gente anda igual a vagalume, iluminando o caminho para não cair — lamenta outra moradora, Regina da Silva.

A Rioluz se defende. Diz que atua em todas as favelas pacificadas. No Dona Marta, garante que implantou 500 pontos de luz e fez a manutenção de outros 437. E transfere a responsabilidade àqueles que fazem “gatos”, alegando que, sempre que a carga ultrapassa o estipulado como padrão, a energia é desligada, só sendo restabelecida pela Light após o furto ser coibido.

Esgoto a céu aberto é mais um problema que extrapola a pacificação. Que o diga o presidente da Associação de Moradores do Dona Marta, Jose Mario Hilário dos Santos:

— Temos 80% das casas ligadas à rede de esgoto oficial e cinco valas negras.

Já a UPP Social, coordenada pelo Instituto Pereira Passos (IPP), contabiliza investimentos da prefeitura de R$ 1,5 bilhão nas comunidades pacificadas. Do total, R$ 1 bilhão são para o programa Morar Carioca, de urbanização e habitação. Quanto à saúde, as áreas com UPPs são prioridade. Segundo o secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho, atualmente o Programa Saúde da Família atende 75% das áreas pacificadas contra 41% da cidade. Até 2016, diz ele, a cobertura do Saúde da Família será de 100% nas favelas pacificadas e 70% em todo o município.

Bons resultados à parte, Pedro Paulo e a presidente do IPP, Eduarda La Rocque, consideram como um desafio a melhoria da limpeza urbana nas áreas com UPPs. Mas há luz no fim do túnel: a Comlurb está estudando uma nova forma de trabalhar nas favelas e pretende começar a implantá-la em janeiro pela Rocinha.

— Temos que transformar essas áreas e integrá-las aos bairros. Os serviços públicos do asfalto precisam estar nas favelas. O gari que limpa o asfalto, por exemplo, tem de limpar a favela — afirma Eduarda.

O presidente da Comlurb, Vinícius de Sá Roriz, conta que, uma a uma, cada favela pacificada está sendo analisada. É o projeto Comunidade Limpa.

— Temos de levar em consideração que, nas comunidades, os imóveis são pequenos e as pessoas não conseguem estocar lixo em casa — ressalta Vinícius.

Uma das mudanças será tornar rotina o serviço do gari alpinista. Esse é hoje um trabalho eventual, em encostas que viraram lixões, como a do Pavão-Pavãozinho, nos fundos do Edifício Líbano, em Copacabana: lá o problema só se agrava desde 1990, revela o síndico Enrico Alvarenga.