O Policiamento Comunitário ou de Proximidade é um tipo de policiamento ostensivo que emprega efetivos e estratégias de aproximação, ação de presença, permanência, envolvimento com as questões locais, comprometimento com o local de trabalho e relações com as comunidades, objetivando a garantia da lei, o exercício da função essencial à justiça e a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do do patrimônio. A Confiança Mútua é o elo entre cidadão e policial, entre a comunidade e a força policial, entre a população e o Estado.

domingo, 23 de março de 2014

O QUARTO POSTO E A GUABIROBA











Luiz Carlos Marques Pinheiro 



Ano 1935. Na década de ’30 o Fragata era o melhor bairro de Pelotas, o bairro que mais crescia e o mais badalado. No coração do Fragata estava situado o Parque Sousa Soares, o ponto mais famoso e de maior atração da cidade, especialmente nos fins de semana. O Fragata era o bairro mais populoso e movimentado da cidade pela presença do prado, do cemitério, do parque Ritter com suas retretas aos domingos e o seu “bosque Champs Elisée”, do parque Souza Soares, a maravilha de recreação para toda a família. O Parque dava frente para a Av.Gal.Daltro Filho (hoje Av.Duque de Caxias), a principal via de acesso do bairro e via de saída para Jaguarão e Bagé.

O Parque se tornou tão importante na vida da cidade que os seus freqüentadores, a classe média-alta, exigiram que a Light & Power, administradora do sistema de bondes, desviasse os trilhos para dentro do Parque, para maior comodidade dos seus usuários. Na extremidade esquerda do Parque havia uma entrada, uma estradinha de terra, chamada de Estrada da Guabiroba, que dava acesso aos terrenos localizados depois do parque.

Como o parque era o “point” da cidade, todos os terrenos que se localizavam na estrada da Guabiroba, de frente para o parque, ficaram muito valorizados, com uma grande procura pelos ricos de Pelotas. Os ricos compravam os terrenos para construir chácaras. Era um luxo só! Ter uma casa na cidade e uma chácara a 5 km. de distância. Sossego, tranqüilidade, intimidade, ausência de vizinhos...Um lugar excelente para se passar um final de semana reunido com a família. Bastava um casal de caseiros e as chácaras proporcionavam desfrutar de árvores frutíferas, canteiros com flores, canteiros com temperos, criação de porcos e de galinhas.

Ah! As galinhas! Não só davam os ovos para os doces, como davam as penas, para os acolchoados e travesseiros. E, principalmente, davam a carne e o sangue para fazer a maravilhosa “galinha a molho pardo”. As chácaras proporcionavam ainda, como sub-produto, o abastecimento da casa da cidade com frutas, flores e temperos.

Possuir uma chácara no Parque era um atestado público de riqueza. Como eram casas para o final-de-semana, não eram muito grandes, mas muito confortáveis, mesmo assim. Os ricos se tratam bem...Algumas eram térreas; outras, assobradadas.

As senhoras ricas se esmeravam nos cuidados com os jardins. Afinal de contas, os jardins iriam proporcionar as flores para enfeitar a casa. 6 É claro que, visto com olhos de hoje, a vida não era tão fácil assim. Apenas para dar uma pálida idéia: não havia luz elétrica, era lampião a querosene (eram necessários vários, em uma casa); não havia telefone; não havia geladeira, chamava-se frigorífico e era abastecido com pedras de gelo, de fornecimento irregular; o fogão era a lenha, com o reforço de um fogareiro a carvão e um fogareiro “Primus” de pressão, a querosene, para as coisas mais rápidas; o ferro de passar roupa era a carvão; a água para beber tinha que ser filtrada em filtro de barro; e por aí vai. Para o frio, a solução era a clássica: uma boa lareira, com nó de pinho.

A água do banho era aquecida por um aquecedor cilíndrico, de latão, instalado na parede do banheiro, acima da banheira. A parte superior do aquecedor era o reservatório de água. Na parte inferior se colocava jornal para queimar. Havia um pequeno receptáculo, onde se colocava álcool e tocava fogo. No Rio de Janeiro já havia o aquecimento a gás encanado, mas o Fragata não tinha gás...

Uns poucos usavam o sistema de serpentina, que é um sistema de tubulações que aproveita o calor gerado pelo fogão a lenha para aquecer a água do banho. Os encanamentos serviam apenas a parte térrea das casas. Na parte superior dos sobrados não havia encanamentos, portanto, o banheiro tinha que ficar no térreo. Eu digo “o banheiro”, porque só havia um em cada casa. 

O rádio era ligado somente à noite. Como não havia luz elétrica, os rádios funcionavam com bateria. E, para não gastar bateria, somente ligavam o rádio à noite, principalmente para ouvir a “Voz do Brasil”. A Voz do Brasil era fundamental para manter-se informado sobre as notícias do Brasil, porque jornal muito pouca gente comprava; era preciso fazer economia. Não havia rede coletora de esgoto. Os dejetos do banheiro e a água com gordura da cozinha eram canalizados para fossas sépticas no quintal, profundas e separadas. A fossa dos dejetos era chamada popularmente de “poço negro”. A água do banho e da pia do banheiro eram canalizadas para a rua, para uma  vala a céu aberto ao longo da Estrada da Guabiroba, por onde também corria a água da chuva. Como não havia lixeiro, o lixo seco era queimado no quintal. Eles sabiam que se mantivessem bem limpo o entorno da casa seria remota a possibilidade do aparecimento de ratos.

Mas os ricos não achavam ruim, porque não conheciam outra realidade. Para eles era normal. Não existia nada melhor no mundo que eles pudessem comprar. E assim eram felizes... 

Esse padrão de desconforto se manteve inalterado em toda a década de ’40. Primeiro, porque o Brasil enfrentou uma II Guerra Mundial; depois, porque o pós-guerra, de 1946 em diante, foi extremamente difícil para o Brasil. Somente após 1950 Pelotas começa a dar sinais de que é possível ter acesso a um padrão mais confortável. Lentamente, tem início a industrialização, a 7 modernização urbana e a migração do campo para as cidades, que foram fatores determinantes para a modernização de Pelotas.

Mas o grande salto de qualidade em Pelotas somente foi dado a partir de 1958, quando se instalam, então, os conceitos de cidade moderna, acompanhando, mais ou menos, o que acontecia no Brasil. Com o tempo, ao longo da estrada da Guabiroba, depois do parque, começaram a surgir algumas construções, já com o espírito de residência definitiva. E esses moradores ficaram conhecendo o outro lado do parque. Apenas para que se tenha um parâmetro, em 1947 só havia 1.289 residências em todo o Fragata, distribuídas entre as inúmeras vilas que compunham o bairro.

Morar no parque significava ter que pegar o bonde todos os dias, na avenida. Ou seja, caminhar pela estrada de terra uns trezentos metros ou mais. Nos dias secos, era só uma pequena caminhada. Mas na época das chuvas - dias a fio chovendo - a estrada virava um barro só. E os moradores tinham que andar no barro até a avenida pra pegar o bonde. Para os ricos o acesso era bem mais fácil, porque era feito por automóvel. O bonde era o único meio de transporte em Pelotas; não havia outra alternativa. Estranhamente, a bicicleta não caiu no agrado dos pelotenses e nunca foi considerada um meio de transporte, a despeito de a cidade ser extremamente plana, propícia para o seu uso.

A volta para casa era à noite, e não havia luz elétrica na estradinha. Era preciso andar com lanterna até chegar em casa. No inverno, nos dias chuvosos, se chegava em casa todo embarrado. Esse fato acabou criando um hábito curioso nos moradores residentes. Ninguém saía de casa à noite; ficavam todos em casa. Como compensação, todos os solteiros saíam de casa no sábado à noite, para descontar os dias fechados em casa. Os casados, estes não faziam questão, tinham companhia, e sempre era possível sair para pegar um cineminha. Não adiantava se arrepender. Como as casas eram próprias, ficava mais difícil se mudar.

Em 1935, o meu pai tinha 21 anos e morava com a mãe viúva, e cinco irmãos, na Guabiroba, na chácara. A minha mãe morava do outro lado da avenida Daltro Filho, em frente ao parque, com os pais e cinco irmãos, numa fileira de nove casas que o meu avô materno tinha mandado construir. Ali eles se conheceram, namoraram, casaram em 1939, e eu nasci em 1940.

O 4º Posto. Na esquina da Av.Gal. Daltro Filho com a Estrada da Guabiroba, em frente ao parque, ficava o 4º Posto da Brigada Militar. Única e solitária presença do Poder Público no bairro. O 4º Posto era uma referência em todo o bairro do Fragata. Todo mundo corria para o Posto quando tivesse uma necessidade. O Posto era a solução para todos os problemas. Principalmente porque era o único lugar em toda a redondeza que tinha telefone. Quem precisasse de um telefone corria para o posto.

Na prática, o Posto funcionava como uma extensão da Companhia Telefônica. Todas as emergências eram socorridas pelo Posto. O pedido de uma ambulância, ou do carro de bombeiros, era feito no posto. Na verdade, acabava sendo a ocupação principal dos brigadianos.
Roubos não havia, salvo os de galinha. Aliás, ficou famosa a expressão “ladrão de galinha”, para se referir a um ladrão mixuruca. A palavra “assalto” não existia na época. As ocorrências policiais eram apenas as de desordem provocadas por bêbados e desavença entre vizinhos. Só. 

Não havia possibilidade de fazer policiamento ostensivo. O número de policiais era muito limitado. Dessa forma as funções ficavam circunscritas ao ambiente interno do posto e ao atendimento às pequenas ocorrências. No entanto, o Fragata todo tinha muito respeito pelo Posto e pelos brigadianos, pela ação comunitária que faziam. Era motivo, até, de orgulho para o bairro, poder contar com um Posto da Brigada.


Fonte: A PELOTAS QUE EU VIVI  
http://pelotascronicasurbanas.files.wordpress.com/2013/03/o-livro_edicao-consolidada.pdf


Matéria apontada por Rogério Brodbeck e fonte indicada por Alberto Afonso Landa Camargo.

sexta-feira, 14 de março de 2014

UPPS: A PAZ PARA INGLÊS VER

JORNAL DO BRASIL 13/03 às 19h20


Especialistas comentam a ocupação da Vila Kennedy e analisam UPPs das duas maiores favelas do Rio
Louise Rodrigues


Bandeiras hasteadas e discursos otimistas marcaram o final da ocupação da Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio, nesta terça-feira. O ritual se repete pela 38ª vez, mas não parece surtir efeito. A realidade das UPPs dentro das favelas é bastante diferente. Morte de policiais e civis, tiroteios, violência e medo continuam fazendo parte da vida dos moradores das comunidades ditas pacificadas. A relação entre os moradores e a polícia se torna cada vez mais complicada à medida que a impunidade e a corrupção colocam fim à vida de outros “Amarildos” e a violência mata outras “Gleices”.

Bandeiras hasteadas no local onde ficará a sede da UPP da Vila Kennedy, no Largo do Leão

Para Ignácio Cano, especialista em segurança pública do Laboratório da Uerj de Análise da Violência, “a UPP representa a transformação da segurança pública e a saída da criminalidade das favelas, mas ainda tem muita coisa pela frente”. Ele acredita que casos de grande repercussão, como o desaparecimento do pedreiro Amarildo, demonstram as fraquezas no esquema de instalação das Unidades.

Ainda segundo Ignácio, para o sucesso do projeto é preciso avaliá-lo de forma sistemática, o que ainda não acontece. “Em primeiro lugar as UPPs devem ser dirigidas para as áreas mais violentas, com maior índice de criminalidade. Outro ponto é melhorar a relação entre policiais e moradores das comunidades. E, em terceiro lugar, legitimar o trabalho nas UPPs dentro da própria polícia. A maioria dos policiais não quer trabalhar nas Unidades. Entre os fatores está a crença de que se trata de um policiamento de segunda divisão porque ainda existe a crença de que ser policial é trocar tiro com bandido”, resume o especialista.

Sobre o anúncio da inauguração de novas UPPs na Baixada, Niterói e São Gonçalo, Cano define como “um esquema de eleição que chegou tarde”. A mesma opinião é compartilhada pelo cientista social e professor da UFF, Elionaldo Fernandes Julião. “Estamos em um período de organização eleitoral. O que as pessoas pensam sobre a UPP é uma moeda importante na política. Por isso, quanto mais UPPs melhor para mostrar que o Rio está pacificado. Contudo, a questão deve ser: se não conseguimos resolver os problemas iniciais, para que inaugurar mais UPPs?”, questiona Elionaldo.

Os “problemas iniciais” citados pelo sociólogo estão, principalmente, relacionados à infraestrutura, capacitação dos policiais e aos recursos humanos. “O policial não pode mais ter aquela formação da ‘violência pela violência’. Ele precisa ter uma visão social, tem que saber lidar com a mediação de conflitos”, explica o professor.

Sobre a estruturação da projeto das UPPs, Elionaldo disse concordar com a proposta e com a ideia, mas, por outro lado, enxerga sua fragilidade “à medida que cede a interesses político-partidários e aceita atropelamentos”. O cientista político acredita que a política da UPP é paliativa. “Apesar de desenvolver uma lógica de segurança aliada a projetos sociais, é preciso um planejamento de médio e longo prazos. Os problemas vêm ressurgindo e mostrando que não foram resolvidos, foram apenas varridos para debaixo do pano e, com isso, criou-se uma falsa imagem positiva nacional e internacionalmente”, analisa.

A ocupação

A ocupação começou do dia 7 de março e terminou com seis mortos e cinco feridos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, um dos mortos era menor e todos eram criminosos. Foram apreendidas armas, granadas, munições, drogas e material de endolação, 180 reais em espécie, além de radiotransmissores, artigos roubados, eletrônicos e balanças de precisão. Ainda segundo a Secretaria, foram presas 80 pessoas. Hoje, mais nove prisões foram efetuadas, seis delas em flagrante e outras três em cumprimento de mandato de prisão - sendo uma mulher por tráfico, um homem por receptação e outro por ameaça e injúria -. Além disso, duas motos e dois carros roubados foram recuperados; armas e drogas também foram apreendidas.

A UPP da Vila Kennedy foi ocupada em 20 minutos, por 300 homens. Há mais de dois anos, a população, que sofria com a guerra entre duas facções, cobrava uma medida do estado. Hoje, os comboios começaram a chegar às 5h. As aulas foram suspensas e cerca de 700 estudantes ficaram em casa. Não houve tiros ou resistência durante a operação. Após a finalização do processo, 250 policiais ficarão lotados na Unidade, no Largo do Leão. Paralelamente à ocupação, foram realizadas operações satélite nas favelas Nova Holanda, Rola, Antares, Morro Azul e Cidade Alta.

Segundo o chefe de Estado Maior Operacional da Polícia Militar do Rio, Paulo Henrique Moares, 22 mil pessoas moram na Vila Kennedy. Para Ignácio Cano, a proporção de cerca de 11 policiais para mil pessoas pode ser definida como “razoável”. Hoje, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame declarou que a expectativa é que mais de 33 mil pessoas sejam beneficiadas com a UPP, considerando a população da Favela da Metral, vizinha à Villa Kennedy.

A realidade das comunidades pacificadas

A UPP da Rocinha foi inaugurada em 2012, sob comando do Major Edson Santos

Segundo José Mariano Beltrame, das 38 UPPs, apenas duas apresentam problemas. O secretário fechou os olhos para a violência que continua atingindo as comunidades pacificadas, como o tiro que matou José Joaquim de Santana, de 81 anos, na comunidade Mandela, em Manguinhos; a morte da PM Alda Castilho, na Vila Cruzeiro; ou os tiroteios que assustam moradores e fecham comércios, escolas e as portas das casas. “Estamos com alguns problemas em duas áreas, que são as mais populosas [Rocinha e Alemão]. Não temos problemas em 38 UPPs, mas em duas que ultrapassam 100 mil habitantes. São problemas difíceis de resolver por causa da topografia e por causa da tirania do tráfico, que age com terror à medida que se vê ameaçado. Nosso programa é ousado, entramos em verdadeiras megalópoles do crime", declarou o secretário.

Considerando a afirmação do secretário, vale lembrar o discurso do governador Sérgio Cabral durante a pacificação da Rocinha: “Que as futuras gerações convivam harmoniosamente com a polícia nas comunidades. A luta pela paz é um processo e precisa de disciplina, luta e determinação", observou o governador. Na mesma favela, 25 PMs foram acusados de envolvimento na tortura e morte presumida do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, em julho do ano passado. Na época da inauguração da Unidade, o comandante Major Edson Santos, que liderou o grupo acusado de torturar Amarildo e outros 30 moradores da Rocinha, declarou: "Nosso principal objetivo é permitir que o morador da Rocinha tenha a certeza que ele agora é o dono da comunidade. A população nos apoia. A prova disso é que foi através da colaboração deles que chegamos à autoria de crimes ocorridos aqui nesse período".

Ocupação da UPP do Complexo do Alemão, em 2012

O Complexo do Alemão se tornou cenário de novela em 2012 e 2013. Durante a pacificação, Cabral declarou: "Minhas expectativas são as melhores possíveis, atuando com uma política de segurança integrada e participava com a comunidade. Estou muito feliz de poder fazer minha parte neste momento histórico que a cidade está vivenciando". Falando assim, nem parece ser a mesma favela que o Rio conhece. Policiais mortos pelo tráfico, como o Soldado Rodrigo de Souza Paes Leme, carros queimados, barricadas montadas por bandidos e bases da Unidade atacadas a tiros de armas de exército, mas que fazem parte do arsenal do tráfico.

Hoje, no Centro de Comando do Governo do Estado, Cabral discursou, dizendo: "Invertemos a lógica do crime, que tenta encontrar espaço nas comunidades. Antes, a PM entrava, trocava tiros e saía da comunidade. Hoje, são os bandidos que covardemente tentam atacar a polícia, desestabilizar a população, e depois fogem. Hoje é a polícia que fica lá 24 horas". O discurso ufanista se mantém e, pelo andar do projeto, essa também será a tendência dos problemas.

*Do Projeto de Estágio do Jornal do Brasil