GAUCHAZH 13/10/2017
Guilherme Justino
Nobel de Medicina dá o recado: preste atenção no seu relógio
biológico. Premiação deste ano soou o alarme para que mais pessoas
tenham consciência da importância desse mecanismo no decorrer da vida
Na era digital, da aviação comercial e de noites que viram dias, chegou a hora de reconhecer a
importância do relógio biológico. Esse sistema inato ao corpo humano — e a todos os seres vivos —, que se regula conforme a percepção da presença ou ausência da luz solar, é responsável por determinar a disposição diária para todas as atividades, do trabalho às relações sociais, da
alimentação ao
sono. É o que faz alguém cair de rendimento à noite, bocejar por horas se acorda muito cedo e ficar geralmente mais atento ao longo do dia: um eterno ciclo de 24 horas que, se não respeitado em seu devido tempo, pode comprometer a saúde.
O
Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia deste ano, entregue a três pesquisadores norte-americanos, soou o alarme para que mais pessoas tenham consciência da importância desse mecanismo no decorrer da vida. A existência de algum tipo de sistema interno que leva à repetição de certos fenômenos biológicos em determinadas horas do dia já era conhecida de longa data. Pelo menos desde 1729, quando o astrônomo francês Jean Jacques d'Ortous de Mairan observou que as folhas de um gênero de plantas se abriam e fechavam na mesma hora do dia, mesmo quando colocadas em um quarto escuro — o que sugeriu a existência de um relógio biológico.
Os nobeis Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young foram os responsáveis por descobrir, séculos depois, os mecanismos moleculares que controlam o ritmo biológico nos seres vivos, o chamado ritmo circadiano. Se pensarmos que o organismo funciona como um relógio cuco, podemos dizer que eles encontraram o mecanismo que move os ponteiros e anuncia o passar de cada hora com o canto da ave. A pesquisa que revelou esse funcionamento foi publicada na década de 1980, mas só agora reconhecida com uma das maiores premiações da ciência mundial. Será que a distinção não chegou com algum atraso?
— Ritmos circadianos têm sido estudados principalmente desde a década de 1970, então formam um campo ainda novo. Muitos de fora dessa área não sabem quão importante isso é para todos, para toda a biologia e a medicina. Fiquei positivamente surpreso ao ver esse Nobel: não esperava que fosse chegar tão cedo. Essa distinção vai acelerar o conhecimento dos ritmos circadianos para as discussões públicas e científicas, o que vai ser bom para todo mundo — comemora o neurobiólogo Benjamin Smarr, pesquisador pós-doutorando no Departamento de Psicologia e Neurociência da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.
Luz artificial e prejuízos para a saúde
O neurobiólogo Benjamin Smarr destaca que saber mais sobre o relógio biológico é especialmente importante na contemporaneidade, quando a invenção da luz elétrica e a profusão de itens que emanam uma iluminação própria contribuem para dificultar a percepção do corpo sobre o ciclo claro-escuro. Já não é mais o raiar do dia que nos alerta para a necessidade de acordar, nem o escurecer noturno que nos leva a sempre buscar o descanso. Agora há alarmes, ambientes iluminados, atividades sendo realizadas durante as 24 horas.
— Nossas vidas modernas são muito disruptivas para os ritmos circadianos. Luz à noite, smartphones, alimentação noturna e alarmes provocam um "jet lag social" e nos causam males ao longo da vida — avalia o Ph.D. em neurobiologia.
Portanto, não é de se estranhar relatos de dificuldades para pegar no sono quando, minutos antes de ir para a cama, ficamos acostumados a estar em ambiente iluminado por lâmpadas, com televisores ligados, computadores e smartphones emitindo luz artificial bem diante dos olhos — tudo isso enquanto o corpo, preparando-se para o repouso, espera a escuridão.
— A exposição à luz artificial à noite é prejudicial porque inibe a produção de melatonina. Esse hormônio sinaliza ao corpo que é noite e favorece o sono. Dessa forma, olhar essas telas à noite pode acarretar, a longo prazo, diversos distúrbios de sono e suas consequências para a saúde — afirma Gisele Akemi Oda, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia da Universidade de São Paulo (USP).
O descompasso entre o ciclo de iluminação que o corpo espera e aquele a que realmente acaba sendo exposto preocupa principalmente porque provoca alterações que podem impactar no desenvolvimento de problemas físicos e mentais. Ter poucas horas de sono, comer em horários desregulados, praticar atividades físicas logo antes de (tentar) dormir e levar os estudos madrugada adentro são alguns exemplos de questões que resultam em um desajuste no relógio biológico. Desajuste esse que representa um baque significativo para o sempre tão certinho ritmo do corpo.
Luz à noite, smartphones, alimentação noturna e alarmes provocam um "jet lag social" e nos causam males ao longo da vida. Benjamin Smart, neurobiólogo
— A eficiência de todas as atividades fica comprometida, com consequências para a própria saúde, quando uma pessoa se alimenta em uma fase em que o sistema digestório não está programado para ter maior eficiência, quando é exigida atenção em uma fase associada ao sono, quando ela se exercita em uma fase associada ao repouso — garante Gisele Oda.
Segundo a coordenadora do Laboratório de Cronobiologia da USP, complicações cardiovasculares, obesidade, incidência maior de acidentes e depressão estão sendo cada vez mais associadas ao trabalho noturno — fora do padrão predominantemente diurno do organismo humano para aquelas ações que exigem mais esforço.
Há décadas estudando a área conhecida como cronobiologia humana, Fernando Mazzilli Louzada explica que o descompasso ocorre porque o corpo, ao longo de toda a evolução, foi se preparando para caçar e comer enquanto há luz do sol, e para descansar quando a escuridão predominava. A constante disrupção desse padrão na atualidade provoca alterações no metabolismo — o que pode levar ao surgimento de doenças como diabetes, alterações na pressão arterial e também problemas psiquiátricos.
— Para o corpo, ficar exposto rotineiramente à desorganização do próprio ritmo leva a problemas de saúde que poderiam ser evitados com mais conhecimento e cuidado — diz Louzada, professor do Departamento de Fisiologia e coordenador do Laboratório de Cronobiologia Humana da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Isso não quer dizer que se alimentar de madrugada, correr em plena noite ou dormir a tarde inteira vão necessariamente causar problemas de saúde: as pesquisas alertam para o fato de que, se não tomados alguns cuidados — como respeitar os próprios limites, repousar quando o corpo pede e manter uma alimentação equilibrada, especialmente para quem segue rotinas desreguladas —, os efeitos podem passar do mero desconforto e, quando aliados a outros fatores, contribuir para o desenvolvimento ou dificultar o controle de doenças graves.
Dificuldade de ajustar os ponteiros
— Quem trabalha durante a noite precisaria evitar completamente a luz do sol durante o dia, até mesmo nas folgas, para que o corpo se adaptasse a esse horário. Isso, claro, é para poucos — problematiza Michael Gorman, especialista em ritmos circadianos de mamíferos que estuda como melhorar a adaptação humana ao trabalho noturno e ao jet lag.
Para o pesquisador do Centro de Biologia Circadiana da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, quanto mais se afasta do que o corpo espera, mais difícil é acostumá-lo a enfrentar algumas situações. Dormir até algumas horas depois de o Sol raiar e se exercitar ao cair da tarde não vão provocar alterações tão significativas quanto trabalhar dia após dia de madrugada. Gorman garante que o diferencial está na exposição à luz solar: se alguém que precisa acordar mais cedo se coloca rotineiramente diante do Sol matinal, pode acabar acostumando o corpo à mudança, ainda que anteriormente a preferência fosse por dormir até mais tarde.
O problema é que muitas rotinas se perdem nos fins de semana. O merecido descanso que dá direito a acordar quase na hora do almoço aos sábados e domingos representa um choque para o organismo, que não entende por que, ao longo de cinco dias da semana, deve funcionar de uma maneira e, nos outros dois, tem que mudar tudo de novo. Eis aí a maior dificuldade de ajustar os ponteiros do próprio relógio biológico: se a rotina laboral é uma e a de dias de folga é outra, a adaptação fica prejudicada.
Matutinos x vespertinos
O coordenador do Laboratório de Cronobiologia Humana da UFPR, Fernando Louzada, acredita que não existe adaptação do ritmo circadiano. Para ele, ou funcionamos melhor de manhã cedo ou preferimos a tarde — o que dividiria a sociedade entre os cronotipos matutino e vespertino. Ainda que haja diferença entre os horários mais adequados para determinadas atividades de pessoa para pessoa, o organismo humano não estaria preparado para uma mudança tão drástica no seu padrão evolutivo quanto passar com frequência a noite inteira acordado.
— A palavra "adaptação" não tem como ser usada: existe maior ou menor tolerância com esses horários. O corpo não foi feito para trabalhar (com carga máxima) à noite. Não há adaptação quando temos uma constante desorganização dos ritmos — estima o pesquisador.
Para quem não tem opção e precisa realizar atividades desgastantes nos horários em que o corpo preferiria estar dormindo, algumas dicas para aumentar a tolerância do organismo incluem manter uma alimentação mais leve — já que o organismo tem menor capacidade de digestão à noite —, evitar a exposição direta à luz solar na hora em que é possível descansar e dormir bem, de preferência em um ciclo único, e não com cochilos esparsos.
O que é afetado pelo ritmo circadiano
Aprendizagem e memória: as horas mais adequadas variam de pessoas para pessoa, mas sabe-se que é mais eficaz aprender durante a manhã ou a tarde. A atividade cerebral varia conforme o relógio muda, e não há período de menor capacidade de concentração que durante a madrugada.
Envelhecimento: conforme os anos passam, o corpo tem mais dificuldade de manter as engrenagens de todos os relógios biológicos das células. Envelhecer envolve também maior predisposição a problemas de metabolismo, que acaba ficando mais lento.
Jet lag: trocar de fuso horário muito rapidamente — algo comum em viagens longas pela aviação comercial — leva a um desalinhamento do relógio interno. Quando a hora do dia muda de maneira forçada, é comum se sentir mais sonolento. Uma variação desse fenômeno acontece quando se volta a acordar cedo depois de um fim de semana dormindo até tarde.
Nutrição: não apenas o sono é controlado pelo relógio interno: também a fome surge nos horários em que o organismo mais está acostumado e disposto a fazer a digestão. E, quanto mais tarde, menor costuma ser a capacidade de absorver os nutrientes adequadamente.
Conheça o perfil do seu relógio biológico e viva melhor. A desregulação do seus ponteiros internos pode ser a causa de noites mal dormidas, quilinhos a mais, da falta de paciência e até doenças emocionais
Bruna Scirea
O relógio ainda nem marcou 22h, e ele já está se preparando para dormir. É bem o horário em que ela está com a corda toda, querendo puxar conversa, assistir a um filme, planejar o dia seguinte, a semana, o mês, o ano. Cheio de sono, ele mal ouve o que ela tem a dizer. De manhã, a cena se inverte: lá está ele cantarolando no chuveiro, liga a televisão para sair de casa informado, reclamando de alguma coisa, falando sem parar. Ela fica só se perguntando de onde alguém tira tanta energia e assunto logo no início do dia.
Nossa vida é ajustada de acordo com as horas cronometradas nos relógios de pulso, na tela do celular, no painel do carro ou nos equipamentos instalados em paredes e movimentadas esquinas. São 22h para ele, assim como são 22h para ela. Só que existe um tempo que é interior a cada um, que rege o organismo de uma maneira bastante particular. Para além das horas convencionais, é o relógio biológico que determina se você é daqueles que acorda às 6h cheio de energia para gastar, ou se faz parte do grupo dos que se levantam às 11h implorando por mais uns minutinhos de sono.
O chamado relógio biológico é um sistema composto por vários relógios espalhados pelo corpo, controlados por um marca-passo que fica no cérebro. E o que fazem esses relógios internos? Um monte de coisa: são responsáveis pelo controle dos ritmos biológicos, geneticamente predefinidos, que regulam os horários de dormir, acordar, comer, ir ao banheiro, liberar hormônios, entre tantas outras funções diárias.
– Este sistema regula o nosso tempo interno e o ajusta conforme o tempo externo. A partir da luz, ele faz com que o organismo entenda que a cada 12 horas existe o claro ou o escuro. E, a partir disso, ele sincroniza todas as funções do corpo de forma encadeada. Não à toa, por exemplo, os hormônios são liberados de forma rítmica. Pela manhã, sou acordada devido a uma carga de cortisol. À noite, no escuro, é produzida a melatonina, o hormônio do sono. Da mesma forma são reguladas a temperatura do corpo, a pressão arterial e todas as demais atividades fisiológicas – explica Claudia Moreno, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Departamento de Cronobiologia da Associação Brasileira do Sono (ABS).
Os cronotipos
Dentro da cronologia, ciência que passou a ser estudada principalmente a partir da década de 1960, a complexa engrenagem que existe dentro de cada um faz com que a população se divida em alguns cronotipos, como são chamados os perfis dos relógios biológicos. Boa parte dos especialistas trabalha com três categorias, baseadas principalmente nos horários de dormir e acordar, uma vez que a liberação da melatonina (o hormônio do sono) funciona como um abre-alas para o desencadeamento de todas as demais funções.
Os matutinos representam 10% da população e são os que preferem acordar cedo, ficam sonolentos quando passa do horário de dormir (geralmente às 21h) e apresentam melhor desempenho no período da manhã. Os vespertinos, parcela que reflete outros 10% dos indivíduos, são os que estão mais dispostos por volta das 20h, preferem dormir tarde e têm dificuldade para acordar cedo. Devido à rotina, costumam ter menos horas de sono do que deveriam, e usam o fim de semana para reabastecer as energias. Os intermediários são a maioria (cerca de 80% da população) e conseguem se ajustar aos horários com maior facilidade do que os outros dois grupos.
Agora, pense na sua rotina: seria possível respeitar a engrenagem que existe em você? Dormir, acordar, ir ao banheiro, fazer sexo, comer, discutir o relacionamento e trabalhar nos horários em que o seu corpo está mais propenso para cada atividade? Se sim, comemore. Seguindo o "timing" correto do seu corpo, você terá desempenho máximo em tudo o que fizer, levará uma vida mais leve e longeva.
Só que essa é uma condição rara. Provavelmente a sua resposta para essas perguntas é um desanimador "não". É, a vida social nos impõe uma agenda própria que dificilmente pode não ser cumprida. Até aí tudo bem, o temporizador interno se ajusta a algumas situações. Agora, se o seu relógio estiver totalmente dessincronizado (como é o caso de trabalhadores noturnos e pessoas que estão constantemente viajando e alterando o fuso horário), preste atenção! Essa pode ser a causa das noites mal dormidas, dos quilinhos a mais, da falta de paciência com as tarefas do trabalho e até mesmo de doenças emocionais, como a ansiedade e a depressão.
Siga seu cronotipo e viva melhor
Você já deve ter lido reportagens e livros sobre o que e como fazer para ser bem-sucedido. "Como perder peso?", "O que comer?", "Como agradar o parceiro na cama?" são algumas das questões levantadas com certa frequência. Recentemente, um psicólogo norte-americano, Michael Breus, lançou um livro trazendo uma nova pergunta, cuja resposta, segundo ele, deve ser a chave para uma vida com mais qualidade: "Quando?".
Na obra O Poder do Quando (Editora Fontanar), nas prateleiras do Brasil desde a metade de fevereiro, o especialista em medicina do sono defende pequenos ajustes nos horários das tarefas diárias – como quando tomar uma xícara de café ou a melhor hora do dia para responder um e-mail –, adaptando-as ao relógio biológico (cronotipo) de cada um. Sincronizando o ritmo do dia com o ritmo da biologia, garante Breus, você poderá tirar o melhor de si e de seus relacionamentos.
– Para todas as atividades, sabemos que, quando feitas na hora certa, serão feitas melhor – afirma Breus, em entrevista concedida a Zero Hora por e-mail.
Incomodado com as limitações dos três cronotipos que boa parte dos especialistas adotam, o psicólogo desenvolveu uma categorização própria, inspirada em comportamentos de quatro mamíferos: golfinhos, leões, ursos e lobos. Conheça.
Como funciona o relógio biológico
1. O cronomestrista do corpo é o seu marca-passo circadiano, também conhecido como relógio biológico: um grupo de nervos chamado núcleo supraquiasmático, localizado no hipotálamo, logo acima da hipófise. Ele dá ordem a todos os ritmos biológicos do seu corpo.
2. Este temporizador é sincronizado principalmente pela luz solar, que o informa se é dia ou noite. De manhã, a luz do sol atravessa os globos oculares, percorre o nervo óptico e ativa este núcleo para recomeçar o ritmo circadiano (que compreende mais ou menos o período de 24 horas). Está sinalizado que é dia.
3. A partir da sincronização do temporizador, uma série de outros relógios começa a operar de forma encadeada. É como uma orquestra funcionando com vários instrumentos em sintonia. Por exemplo: de manhã ocorre a liberação do hormônio cortisol, e é por isso que você acorda. A temperatura do corpo sobe, a pressão corporal e o peso variam ao longo do dia, e hormônios, como o da fome e da saciedade, são liberados conforme esses relógios ordenam. Durante a tarde, a temperatura corporal diminui e se inicia novamente a preparação para dormir.
4. Quando está escuro, a intensidade de luz que chega aos nervos do núcleo supraquiasmático informa que é noite. Nessas condições, entra em ação a glândula pineal, responsável pela produção da melatonina, o hormônio do sono. E você dorme. Mas os relógios continuam funcionando, ordenando o funcionamento de todo o organismo (fazendo, por exemplo, com que você não sinta fome e não precise ir tantas vezes ao banheiro durante a noite). Quando amanhecer novamente, será desencadeada outra série de funções que ocorrem durante o dia.
Os prejuízos dos relógios desajustados
É na vida adulta (entre os 21 e os 65 anos) que se revela o verdadeiro relógio biológico de cada um. Antes disso, na infância, todos passam por uma fase matutina (ainda que o Ensino Fundamental se dê praticamente todo no período da tarde). Na adolescência, o predomínio é do cronotipo vespertino (ainda que aulas do Ensino Médio geralmente ocorram de manhã). Após os 65 anos, os idosos queixam-se de distúrbios de sono, e não raro se torna necessário dormir um pouco de noite e mais um tanto de dia.
Ou seja, de um jeito ou de outro, é bem provável que todos passem boa parte da vida enfrentando o cronodesajuste, como é chamada a dessincronizarão do relógio biológico em relação ao social. Isso se agrava ainda mais entre aqueles que trabalham no período noturno, os que não têm uma rotina fixa e os milhões de indivíduos que dormem tarde porque bloqueiam o sono (a produção de melatonina) com a luz azul, emitida por tablets e celulares.
– Serão felizes as pessoas que puderem respeitar o seu ritmo interno, que puderem dormir quando têm sono e ter todas as outras necessidades fisiológicas no horário em que o organismo disser "agora é meu horário". Só que, infelizmente, quase ninguém pode fazer isso, pois quem rege o nosso relógio é a sociedade – afirma Maria Paz Hidalgo, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Se não seguir à risca o seu relógio interno, pode ser que você só não esteja aproveitando o seu rendimento máximo nas tarefas diárias – o que já é ruim, na avaliação do psicólogo Michael Breus, autor do livro O Poder do Quando. Mas pode ser que o seus os ponteiros internos estejam tão dessincronizados que tragam uma ação devastadora para o seu bem-estar físico, mental e emocional. Quem sofre mais, neste caso, são os "lobos" e os "golfinhos", ou seja, os de cronotipo vespertino e os de perfis extremos, que dificilmente se adaptam aos horários da sociedade.
– Uma pessoa vespertina, por exemplo, pode ter vontade de dormir somente a partir das 2h, porque é quando a melatonina dela é liberada. Ela vai para cama neste horário e, consequentemente, irá dormir até mais tarde. Até aí, tudo bem. O problema é se ela tem de trabalhar todos os dias às 7h. É aí que está o desajuste, que pode trazer muita dificuldade para a vida dela – avalia Claudia Moreno, pesquisadora da USP.
A regra número 1 do relógio biológico
Se adaptar o horário de trabalho ao próprio relógio biológico não for possível – uma opção nada simples em tempos de pouca de oferta de emprego – o recomendado é uma rotina que vale para todos os cronotipos: ficar exposto à luz solar o máximo possível durante a manhã. Ao voltar para casa, no fim do dia, evitar o excesso de luz e o uso de equipamentos eletrônicos. Não se alimentar tarde demais, não praticar exercícios físicos antes de dormir, não acordar em horários diferentes no fim de semana. É preciso manter uma rotina. E, acima de tudo, lembre-se: a regra número 1 do relógio biológico são as boas horas de sono. Sem elas, todas as demais funções serão arrastadas ao longo do dia no compasso errado.
– Pelo menos 30% das crianças e adolescentes têm distúrbios de sono, e eles podem ser muito mais danosos nestas fases da vida, que são as de desenvolvimento. É fundamental aprender a dormir desde cedo. E os pais têm de ajudar, sabendo que o sono deles não é o mesmo do dos filhos, que não está certo deixá-los dormir no sofá da sala, em frente à TV. As crianças têm de ter o quarto delas, onde devem se preparar para dormir, com uma luz fraca, a leitura de um livro e, definitivamente, longe dos equipamentos eletrônicos – recomenda Felipe Kalil, neurologista infantil do Hospital São Lucas, em Porto Alegre.
– Quando adultos, levantamos cedo porque temos de fazer exercícios físicos, levar os filhos para a escola, assistir às notícias, ler todos os e-mails. E só dormimos quando sobrar tempo. Preocupados com a boa forma, procuramos um personal trainer.
De olho na dieta, consultamos uma nutricionista. Está correto. Mas e o sono? Dificilmente alguém tem a mesma preocupação com as horas dormidas – complementa o neurologista Geraldo Rizzo, coordenador do Centro de Distúrbios do Sono do Hospital Moinhos de Vento.
Manter a rotina é o segredo para cuidar do seu relógio biológico. Fazer a mesma coisa todos os dias pode ser chato para o cérebro, mas é o mais indicado para o corpo
Guilherme Justino
Apesar de toda a tecnologia que rodeia a maioria das pessoas atualmente, é como se, para o nosso corpo, tivéssemos acabado de descobrir o fogo. O longo processo de evolução determinou que nosso
relógio biológico favorecesse o dia para as atividades que mais demandam esforços físicos e mentais, enquanto a noite seria o turno de recuperação. A inversão desses orientações internas com regularidade é algo muito recente — ainda um corpo estranho para o organismo humano.
Mas mesmo quem não troca repetidas vezes o dia pela noite costuma provocar alterações no relógio biológico. Às vezes, acontece de se acordar mais cedo, trabalhar até mais tarde, pular uma refeição, passar a noite em claro. E cada uma dessas ações é vista como um imprevisto pelo ritmo circadiano, que não gosta nada de alterações no seu dia a dia. Manter rotinas rígidas pode ser chato para o cérebro, que gosta de desafios, mas, para o corpo, é o que há de mais indicado.
— O melhor conselho que posso oferecer é buscar a estabilidade. Durma, coma e se exercite no mesmo horário a cada dia, na medida do possível. Isso ajuda todos os relógios do nosso corpo a se alinharem, e quanto melhor alinhados estiverem internamente, melhor vai ser sua saúde física e mental — recomenda o neurobiólogo americano Benjamin Smarr.
Essa predileção pela rotina não significa que qualquer deslize vá comprometer o funcionamento do relógio biológico. Alterações transitórias, como ficar acordado para ir a uma festa ou dormir um pouco a mais antes de um dia em que haverá alguma privação do sono costumam ser logo superadas.
— Ocorre, de alguma maneira, um desgaste fisiológico. Mas o organismo volta ao normal depois de algum tempo. Há mais riscos envolvidos quando as alterações se tornam crônicas — define Maria Paz Loayza Hidalgo, coordenadora do Laboratório de Cronobiologia e Sono do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Para a professora, as vantagens de seguir uma rotina para as atividades básicas, mesmo nos dias de folga e até nas férias, incluem maior disposição, melhor humor e períodos de repouso mais regulares e completos. É quando acordar na mesma hora todo dia passa a ser um hábito, e não um susto promovido por um despertador, que o relógio biológico começa a funcionar melhor.
Regule seu relógio
Saber se você funciona melhor acordando de manhã cedo ou indo dormir mais tarde ajuda a planejar os melhores momentos para realizar todas as atividades do dia a dia.
Procure estabelecer horários relativamente fixos para acordar, comer, fazer exercícios, dormir. O corpo gosta de manter uma rotina saudável.
Se puder, evite manter hábitos muito diferentes no fim de semana. Dormir durante toda a manhã de domingo quando é preciso acordar cedo na segunda prejudica a disposição.
Antes de dormir, procure diminuir a incidência de luz em casa e tente se afastar dos aparelhos eletrônicos. Essa luz dificulta o entendimento de que é noite para o corpo.
O que é afetado pelo ritmo circadiano
Aprendizagem e memória: as horas mais adequadas variam de pessoas para pessoa, mas sabe-se que é mais eficaz aprender durante a manhã ou a tarde. A atividade cerebral varia conforme o relógio muda, e não há período de menor capacidade de concentração que durante a madrugada.
Envelhecimento: conforme os anos passam, o corpo tem mais dificuldade de manter as engrenagens de todos os relógios biológicos das células. Envelhecer envolve também maior predisposição a problemas de metabolismo, que acaba ficando mais lento.
Jet lag: trocar de fuso horário muito rapidamente — algo comum em viagens longas pela aviação comercial — leva a um desalinhamento do relógio interno. Quando a hora do dia muda de maneira forçada, é comum se sentir mais sonolento. Uma variação desse fenômeno acontece quando se volta a acordar cedo depois de um fim de semana dormindo até tarde.
Nutrição: não apenas o sono é controlado pelo relógio interno: também a fome surge nos horários em que o organismo mais está acostumado e disposto a fazer a digestão. E, quanto mais tarde, menor costuma ser a capacidade de absorver os nutrientes adequadamente.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na atividade policial não há uma rotina e os horários de trabalham mudam
o que é prejudicial à saúde e à tomada de decisão. O prêmio Nobel
poderá dar mais importância aos gestores e executores policiais sobre as jornadas
de trabalho a que são submetidos, para estabelecer rotinas para
melhor desempenho, menos erros e cuidados com a saúde de quem tem o
dever de salvar as pessoas, proteger as comunidades e enfrentar o crime.